Não é preciso chegar ao recinto para começar a ouvir música. Há talentos por descobrir e desafinações pela portagem e pela ponte que leva aos concertos. Centenas de jovens reúnem-se nos cafés e bancas de bebida da zona antes de seguirem para os concertos mais esperados. Uns vão pelo cartaz, outros pelo ambiente. Os Diabo na Cruz são a primeira banda a subir ao palco e dar as boas-vindas aos novos estudantes da cidade. O público não demora a acompanhar o vocalista nas músicas e, por vezes, quase nem é preciso ajuda. Para Coimbra escolheram um alinhamento que os deixa confiantes. “As pessoas não vêm para estas festas ver os Diabo na Cruz, mas sim uma banda. Então escolhemos o alinhamento de todo o terreno e foi fantástico”, confessa o vocalista, Jorge Cruz.
A reação do público deixou a banda satisfeita por ter sido a escolhida para abrir as noites no Parque da Canção e “quer a abrir ou quer a fechar a festa, é sempre bom”, continua Jorge Cruz. Prova disso, foi o concerto ter durado mais do que o previsto, com um “público solto” e conhecedor do trabalho da banda. O calor que se sentia na multidão não durou por apenas um concerto, sendo que o verdadeiro diabo no corpo estava para chegar com o quarentão predileto da noite, Carlão.
Carlão é uma figura singular. Aparece na conferência de imprensa de cigarro e cerveja na mão. Tatuagens a descoberto pelas mangas cavas. Declara abertamente que desconfia da agenda mediática e comenta tudo – do caso BES à carreira de Manoel de Oliveira – sempre com uma humildade de quem “não tem conhecimentos académicos para querer educar os outros”. Acrescenta a isso a energia de continuar a trabalhar – “este ano tem sido incrível, não estava à espera de tocar tanto. Quero fazer mais disto enquanto for possível”, até porque “quando se tem um propósito é mais fácil ter longevidade”.
A conversa vai muito além da música e revela: “Fico muito contente por poder vir a ter um governo com tanto de esquerda. E obviamente não me refiro ao PS, o PS não é de esquerda”, atira. Logo de seguida, lamenta que o Livre/Tempo de Avançar, não tenha eleito um deputado.
Em palco, dedicou a música ‘Colarinho Branco’ a Ricardo Salgado, sugerindo um jogo ao público: quando dissesse uma palavra (BES, GES, Sócrates, BPN, entre outras) o público podia reagir consoante o seu instinto. A multidão respondeu em força.
Carlão refere que “o jogo político é muito sujo” e que por isso não se adequa a si. “Não considero que a minha música seja de intervenção, é simplesmente o resultado do que observo”. O seu novo disco pauta-se pela “mistura do imaginário das mulheres e de crítica social”, que deixa liberdade às pessoas de ouvirem ou não a mensagem que transmitir. As que se decidirem a ouvir, ficarão a pensar duas vezes em alguns temas.
A Festas das Latas e Imposição de Insígnias de Coimbra termina no domingo e demarca-se, este ano, pela sua aposta em artistas portugueses. A dupla de djs canadiana DVBBS é o único nome internacional.
Artigo escrito ao abrigo de uma parceria entre o SOL e a Universidade de Coimbra