Na semana passada escrevi aqui um texto sobre o desinteresse dos jovens pela participação na vida política ativa. Esta semana, e confirmados os números catastróficos da abstenção, cá estou eu, de novo, para vir tocar neste tema que é vagamente tabu, que foi mencionado, mas que já toda a gente esqueceu, e ainda só vamos em dia 6 (que a edição fecha sempre às terças).
Quer seja por desinteresse ou porque ainda ninguém apurou decentemente os numeros da emigração desde que começámos na austeridade, nestas legislativas, a abstenção voltou a bater recordes: 43,07%. Contra todas as previsões, contra todos os posts de Facebook a dizer ‘dever cumprido’ e a relatar as enormes filas nas mesas de voto, foi tudo fogo de vista. E também ninguém se lembrou que a extinção de freguesias agrupou mais gente em menos sítios, e que isso dá ideia de haver assim hordas de gente, só que não.
Ontem passei com o meu pai por um resquício de campanha sob a forma de cartaz amarelo amarrado a um poste e ele perguntou-me/se em voz alta como é que o Garcia Pereira continuava a ter dinheiro para financiar sempre mais uma candidatura. E eu respondi que por causa da lei do financiamento dos partidos, mas assim tipo, sem grande convicção, porque não domino esse campo. Esta manhã o meu marido deu-me a ler uma notícia do Público precisamente sobre o tema e deixei-me rir, porque já não vale a pena chorar, até porque chorar faz muito mal à pele.
Muito criticados foram os números da abstenção e muitas ilações se retiraram desses números, que traduzem apatia, indiferença, desinteresse pela vida política, falta de noção da importância do voto/indivíduo em democracia, e tantas outras coisas sempre muito negativas e muito apocalíticas. Porém, hoje a minha perspetiva relativamente à abstenção, e confirmado que estava o meu palpite à motorista de táxi relativamente à lei do financiamento dos partidos, apetece-me ver a abstenção com outros olhos. Porque também, parte daquilo que me apetece sempre é ver com outros olhos.
E se a abstenção tiver sido tão enorme precisamente para boicotar o financiamento aos partidos e ajudar a balançar as contas? Precisamente para que o seu voto não conte para nada, a não ser para a estatística da abstenção. E se o objetivo dos abstencionistas for boicotar o seu apoio monetário aos partidos que consigam reunir mais do que 50 mil votos? É que bem vistas as coisas, ainda é uma guita! Se cada voto valia, antes da austeridade imposta por Passos Coelho até Dezembro de 2016, €3,155 euros e agora, cada voto vale €2,84 euros, feitas as contas, com o que vai de votos apurados, assim para o mais rasteirinho, vá, para o PDR, que reuniu 60 mil e tal votos, o que o partido de Marinho e Pinto vai receber ronda os 173 mil euros/ano, para mais do que para menos.
Ora bem, vendo mesmo as coisas de outro prisma, a abstenção é capaz de até ter uma zona de inteligência ou certeza, ou lá o que é, na lógica da economia do país, porque sim, o seu voto, Conta$.