Mal sabia, de facto, que passados quase 50 anos dessa inspiração escolar, que Plutão deixaria, aos poucos, de ser um mistério para ela. E, já agora, para a humanidade. Bowman é diretora operacional da missão da NASA a Plutão, que coube à sonda New Horizons.
A 14 de julho, a nave teve o seu ponto de maior aproximação ao agora planetoide – ou planeta anão, já que foi ‘despromovido’ de planeta pela União Astronómica Internacional em agosto de 2006 – e revelou inúmeras surpresas logo que começámos a receber, em terra, as primeiras imagens. Mas o encanto não desapareceu, pelo contrário: “De cada vez que chega uma imagem, pensamos sempre que é e melhor”, diz, entre risos, a engenheira que lidera a operação a partir do Laboratório de Física Aplicada (APL, em inglês), que está associado à Universidade Johns Hopkins, u que por sua vez se associa à NASA para esta parte da missão.
Alice Bowman esteve em Lisboa esta semana, a proferir algumas palestras sobre Plutão. Afinal, este corpo celeste não é o nono calhau a contar do Sol, como chegou a ser classificado em homenagem a uma célebre série televisiva. Nem é a massa cinzenta e, pela distância considerável que o separa da nossa estrela, fria. Ainda esta semana, o site que a NASA consagrou à New Horizons dava conta da provável existência de gelo e, não menos surpreendente, de um céu azul na atmosfera do planeta anão.
Na semana anterior a esta notícia, a agência espacial americana maravilhava-se com a hipótese de haver água líquida por aquelas paragens siderais, com um caudal ativo pelos desfiladeiros do planetoide.
Mas há mais: desfiladeiros, uma estranha linha clara que percorre o planeta e a suspeita de uma possível atividade vulcânica passada apresentaram-se aos cientistas boquiabertos. A 14 de julho, houve quem dissesse que Plutão era “melhor do que uma loja de doces”.
Bowman ri-se mais uma vez, garantindo que não se lembra de ter dito tal frase, mas rende-se totalmente ao seu significado. “As primeiras imagens que chegaram mostravam uma variação surpreendente à superfície, havia crateras, áreas mais escuras e outras mais claras, uma atmosfera. É um sítio muitíssimo interessante”.
A viagem da New Horizons começou em 19 de janeiro de 2006, ainda Plutão era o nono planeta do sistema solar. Sete meses depois da ‘desclassificação’, com o trajeto ainda no início, a sonda começou a demonstrar alguns problemas preocupantes. Alice Bowman disse, numa entrevista ao Huffington Post, que o engenho parecia ter vontade própria, como os caprichos de uma criança. “Quando trabalhamos com uma nave espacial durante tanto tempo, quase sentimos que ela é a nossa criança. Temos tantos códigos a seguir no sistema e mesmo que o tenhamos testado em simuladores, há sempre coisas que escapam às nossas expetativas”.
Algum tempo depois, o sistema informático – que Bowman controla de perto, recebendo e enviando sinais para posicionar a nave e receber as imagens que ela capta –, composto por um computador principal e outro de backup, começou a fazer reset, com o risco de deixar a missão sem eira nem beira.
Uma deriva espacial era tudo o que a equipa do APL não precisava e ao fim de umas seis ocorrências deste género, Bowman foi autorizada a fazer um upload de outro software novo para a nave, diretamente para o espaço. Estávamos em janeiro de 2013, com a New Horizons já próxima do seu destino. Tudo correu bem, já se sabe. Mas para o grupo em terra era como se uma criança estivesse em perigo.
O alcance dos objetivos, nestas coisas do cosmo, é sempre precário e mede-se por distâncias… astronómicas. Daqui a Plutão são mais de cinco mil milhões de quilómetros. “Andamos a mandar estes uns e zeros a milhões de quilómetros pelo espaço…”, divaga Bowman.
Pelo caminho, a New Horizons encontrou o asteroide 132524 APL e, à passagem de Júpiter, pôde testar ainda melhor os instrumentos científicos de que dispõe, captando imagens. Além disso, a sonda apanhou boleia das cercanias deste planeta: “Usámos a gravidade assistida de Júpiter, que nos permitiu poupar três anos de viagem até Plutão. Passámos pelas órbitas de outros planetas, mas não fomos capazes de obter imagens deles”.
Esperam-se mais dados científicos surpreendentes de Plutão até outubro de 2016 pelo menos, garante Bowman. A sonda circula agora pela Cintura de Kuiper, nos limites do nosso sistema, e aguarda financiamento da NASA para poder apontar os seus ‘sensores’ a mais corpos celestes daquela região distante.
E será que pode passar essa fronteira? Em princípio, a ideia não é essa, mas “acreditamos que temos energia suficiente para recolher dados científicos viáveis até meados da década de 30. Será, em princípio, um pouco como a Voyager, que foi lançada em 1977 e que ainda está a enviar dados para cá”, conclui a engenheira.