Para Plutão e mais além

Um dia, um professor de ciências pediu à turma que desenhasse um planeta do sistema solar e escrevesse uma frase sobre ele. A jovem Alice Bowman, filha da euforia da corrida espacial nos anos 60, escolheu Plutão. “Não sei porquê, não era fascinada por ele, mas desenhei-o e escrevi ‘rocha cinzenta misteriosa’. Mal sabia eu…”.

Mal sabia, de facto, que passados quase 50 anos dessa inspiração escolar, que Plutão deixaria, aos poucos, de ser um mistério para ela. E, já agora, para a humanidade. Bowman é diretora operacional da missão da NASA a Plutão, que coube à sonda New Horizons.

A 14 de julho, a nave teve o seu ponto de maior aproximação ao agora planetoide – ou planeta anão, já que foi ‘despromovido’ de planeta pela União Astronómica Internacional em agosto de 2006 – e revelou inúmeras surpresas logo que começámos a receber, em terra, as primeiras imagens. Mas o encanto não desapareceu, pelo contrário: “De cada vez que chega uma imagem, pensamos sempre que é e melhor”, diz, entre risos, a engenheira que lidera a operação a partir do Laboratório de Física Aplicada (APL, em inglês), que está associado à Universidade Johns Hopkins, u que por sua vez se associa à NASA para esta parte da missão.

Alice Bowman esteve em Lisboa esta semana, a proferir algumas palestras sobre Plutão. Afinal, este corpo celeste não é o nono calhau a contar do Sol, como chegou a ser classificado em homenagem a uma célebre série televisiva. Nem é a massa cinzenta e, pela distância considerável que o separa da nossa estrela, fria. Ainda esta semana, o site que a NASA consagrou à New Horizons dava conta da provável existência de gelo e, não menos surpreendente, de um céu azul na atmosfera do planeta anão.

Na semana anterior a esta notícia, a agência espacial americana maravilhava-se com a hipótese de haver água líquida por aquelas paragens siderais, com um caudal ativo pelos desfiladeiros do planetoide.

Mas há mais: desfiladeiros, uma estranha linha clara que percorre o planeta e a suspeita de uma possível atividade vulcânica passada apresentaram-se aos cientistas boquiabertos. A 14 de julho, houve quem dissesse que Plutão era “melhor do que uma loja de doces”.

Bowman ri-se mais uma vez, garantindo que não se lembra de ter dito tal frase, mas rende-se totalmente ao seu significado. “As primeiras imagens que chegaram mostravam uma variação surpreendente à superfície, havia crateras, áreas mais escuras e outras mais claras, uma atmosfera. É um sítio muitíssimo interessante”.

A viagem da New Horizons começou em 19 de janeiro de 2006, ainda Plutão era o nono planeta do sistema solar. Sete meses depois da ‘desclassificação’, com o trajeto ainda no início, a sonda começou a demonstrar alguns problemas preocupantes. Alice Bowman disse, numa entrevista ao Huffington Post, que o engenho parecia ter vontade própria, como os caprichos de uma criança. “Quando trabalhamos com uma nave espacial durante tanto tempo, quase sentimos que ela é a nossa criança. Temos tantos códigos a seguir no sistema e mesmo que o tenhamos testado em simuladores, há sempre coisas que escapam às nossas expetativas”.

Algum tempo depois, o sistema informático – que Bowman controla de perto, recebendo e enviando sinais para posicionar a nave e receber as imagens que ela capta –, composto por um computador principal e outro de backup, começou a fazer reset, com o risco de deixar a missão sem eira nem beira.

Uma deriva espacial era tudo o que a equipa do APL não precisava e ao fim de umas seis ocorrências deste género, Bowman foi autorizada a fazer um upload de outro software novo para a nave, diretamente para o espaço. Estávamos em janeiro de 2013, com a New Horizons já próxima do seu destino. Tudo correu bem, já se sabe. Mas para o grupo em terra era como se uma criança estivesse em perigo.

O alcance dos objetivos, nestas coisas do cosmo, é sempre precário e mede-se por distâncias… astronómicas. Daqui a Plutão são mais de cinco mil milhões de quilómetros. “Andamos a mandar estes uns e zeros a milhões de quilómetros pelo espaço…”, divaga Bowman.

Pelo caminho, a New Horizons encontrou o asteroide 132524 APL e, à passagem de Júpiter, pôde testar ainda melhor os instrumentos científicos de que dispõe, captando imagens. Além disso, a sonda apanhou boleia das cercanias deste planeta: “Usámos a gravidade assistida de Júpiter, que nos permitiu poupar três anos de viagem até Plutão. Passámos pelas órbitas de outros planetas, mas não fomos capazes de obter imagens deles”.

Esperam-se mais dados científicos surpreendentes de Plutão até outubro de 2016 pelo menos, garante Bowman. A sonda circula agora pela Cintura de Kuiper, nos limites do nosso sistema, e aguarda financiamento da NASA para poder apontar os seus ‘sensores’ a mais corpos celestes daquela região distante.

E será que pode passar essa fronteira? Em princípio, a ideia não é essa, mas “acreditamos que temos energia suficiente para recolher dados científicos viáveis até meados da década de 30. Será, em princípio, um pouco como a Voyager, que foi lançada em 1977 e que ainda está a enviar dados para cá”, conclui a engenheira.

ricardo.nabais@sol.pt