O diretor de comunicação do Benfica, em reação à saída inesperada de Jorge Jesus para o Sporting, acusa-o de estar comprometido «com o seu ego e conta bancária» e depois apelida-o de «deslumbrado».
Bruno de Carvalho dá fogo ao rastilho e compara o dirigente encarnado a Mr. Burns, uma personagem dos Simpsons, e em resposta João Gabriel diz que o líder leonino é um «cretino».
Passam os dias e ouve-se falar de SMS, de processos milionários, de jantares oferecidos aos árbitros. O Benfica ameaça o Sporting com os tribunais, Bruno de Carvalho desdobra-se em farpas ao rival e vai à televisão enfrentar o comentador mais feroz afeto ao Benfica. Nem Rui Gomes da Silva, que mantém Jesus e o Sporting na mira, tem as honras de Pedro Guerra.
É neste contexto de rivalidade extrema que o Benfica recebe este domingo o Sporting (17h, BTV_1), no primeiro regresso de Jorge Jesus à luz desde a «traição», como lhe chama o clube da Luz na queixa em que exige 14 milhões de euros ao treinador.
É possível os jogadores passarem ao lado de tudo isto? Não. Mas será que tanto ruído de fundo os pode condicionar no dérbi? Talvez.
Pedro Henriques, antigo jogador do Benfica e do FC_Porto, garante que os futebolistas não encaram estes acontecimentos fora do relvado com a gravidade que assumem na perspetiva dos adeptos.
«Com mais ou um menos circo, os jogadores portugueses já estão habituados e os estrangeiros rapidamente percebem que em Portugal os dirigentes falam mais do que os jogadores», diz ao SOL o agora comentador da SportTV, admitindo que não é possível passar completamente ao lado de tantas polémicas. «Mas é algo muito desvalorizado no balneário. Não me parece que vá ser determinante dentro de campo».
No seu entender, nem Rui Vitória nem Jorge Jesus devem abordar o tema nas palestras aos jogadores, a não ser para lhes pedir «que passem ao lado porque o futebol não é uma guerra» e a seguir reforçar a necessidade de focarem no essencial, o jogo.
Se Nelo Vingada se visse nestas circunstâncias, nem tocaria no assunto. «Os jogadores poderiam pensar que estava a dar mais importância a isso do que ao próprio jogo e à sua preparação», sustenta ao SOL o treinador que deu nas vistas nas seleções jovens e tem andado nos últimos anos pelo futebol asiático.
‘Não é por isso que jogadores vão lutar até morrer’
Embora reconheça que «é impossível isolar uma equipa» de tanto ruído, Vingada não acredita «que estes fait-divers se sobreponham a argumentos de natureza técnica, tática, física e mental». Nem está a ver os jogadores do Benfica a ficarem mais espicaçados pelas tiradas de Bruno de Carvalho ou os do Sporting a ganharem motivação extra perante os ataques do clube da Luz a Jorge Jesus.
«Não vou dizer que ficam completamente alheados, mas não é por isso que vão lutar até morrer. Os jogadores focam no jogo. Vão pensar muito mais neles e na equipa do que em treinadores ou presidentes».
Para reforçar esta convicção, o treinador recua ao seu tempo de jogador (de primeira divisão) para sublinhar que, «mesmo que existisse um clima de paz, o fator emocional teria o seu peso e a pressão seria exatamente a mesma» pela relevância do jogo em si. «Mas os especialistas da psicologia podem ter outra opinião, há sempre o subconsciente», ressalva, a fechar.
Mestre em psicologia do desporto, Jorge Silvério contraria a ideia de que o clima de guerrilha entre os rivais de Lisboa não é passível de influenciar o comportamento em campo.
«Jogadores e treinadores não se conseguem alhear do que se passa à volta deles, a menos que vivessem numa bolha. Aqui a questão essencial é saber como reagem, sendo que num extremo está o encarar tudo isto como um desafio e no outro como uma ameaça, existindo pelo meio muitas outras reações mais moderadas. O que importa é saber reagir de modo a que não afete o rendimento desportivo», explica ao SOL.
‘Não vale a pena fazer como a avestruz’
Sendo certo que a personalidade e a experiência de cada um jogam um papel importante – «as investigações nessa área não permitem concluir qual delas tem mais preponderância» –, Jorge Silvério sustenta que «não vale a pena fazer como a avestruz e enfiar a cabeça na areia».
Antecipar cenários e preparar os jogadores para o que os espera é a melhor forma do treinador lidar com a situação, garante. «Porque, se não o fizer e depois os jogadores se depararem com situações inesperadas, pode ser pior. A incerteza potencia a ansiedade e isto é válido para o futebol como para as nossas vidas. Se souber com o que conto estarei mais bem preparado».
Silvério dá o exemplo do Sporting, que como se não bastasse a rivalidade centenária vai à Luz sob a orientação do treinador que os adeptos encarnados se habituaram a aplaudir nos seis anos anteriores. «Jorge Jesus deve preparar os seus jogadores para o ambiente hostil que vão encontrar», sugere.