Carlos Tavares está habituado a conviver com os holofotes mediáticos. É o ‘polícia’ do mercado de capitais há 10 anos, mas diante de um microfone apetece-lhe mais cantar do que falar ‘economês’. “Fico mais nervoso com entrevistas, apresentações ou conferências. Subir ao palco para tocar e cantar intimida menos”.
Nascido em Estarreja em 1953, Carlos Manuel Tavares da Silva é economista por vocação e músico por paixão. Da infância à presidência da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), passando pelo ensino e política, a sua biografia tem sempre um ‘alinhamento musical’.
O economista canta, compõe e toca bateria, acordeão, guitarra e piano. No dia 29 de outubro, subirá ao palco do auditório da CGD no ISEG, na Rua do Quelhas em Lisboa. Promete não ficar atemorizado com os projetores ao interpretar ‘Canções Perdidas’, um espetáculo musical solidário da sua iniciativa.
Costuma dizer que nasceu a ouvir música. O seu pai tinha um conjunto musical tradicional e ensaiava em casa. “Aos seis anos comecei a sentar-me à bateria, até que aos dez anos o lugar do baterista do grupo vagou e eu ocupei-o”. Por desejo do pai, aprendeu também solfejo e a tocar acordeão, desfiou à Tabu na sala de música da CMVM, onde falou da sua faceta escondida do grande público, a de cantor nas horas livres.
Na década de 60 chegou às estações de rádio a música anglo-saxónica. Era o tempo dos Beatles. “O acordeão passou de moda. Comecei a tocar guitarra elétrica e tive o meu próprio grupo musical, Os Lordes”. Até que aos 17 anos foi estudar Economia para o Porto e o seu papel de músico conheceu um primeiro intervalo, mas não por muito tempo.
Quando terminou a licenciatura, tornou-se professor na Faculdade de Economia. E ao mesmo tempo aluno do Conservatório. “Fui estudar educação musical, guitarra clássica e fiz um ano de composição”.
Os timbres da banca e governo
Do ensino passou para o setor financeiro, onde exerceu grande parte da sua atividade profissional. O ‘mestre em assuntos da banca’, como é apelidado, incentivou o ensino da música em todas as organizações – BPA, companhia de seguros Bonança, Unicre, CGD e BNU, além da SIBS e dos bancos Chemical Finance e Santander de Negócios Portugal. “A música, em conjunto, fomenta o trabalho em equipa, a integração e a disciplina. É um exercício de humildade, muitas vezes sacrifica-se o individual em nome do coletivo”.
O “vício” da música tem sido um “complemento” da vida profissional do economista. “No Banco Nacional Ultramarino, onde fui presidente durante quatro anos e meio, tínhamos um grupo musical, Os Banarinos. Eu costumava cantar nas festas de inauguração das agências bancárias e as pessoas inicialmente ficavam muito surpreendidas, mas depois passou a ser algo normal”. Sem uma guitarra na mão, o economista seria “um profissional diferente”, garante,
Carlos Tavares veio para Lisboa em 1985 com um horizonte de seis meses. Está na capital há 30 anos. Embora na sua biografia constem duas experiências governativas, garante que não é político. Por convite de Miguel Cadilhe, aceitou ser secretário de Estado do Tesouro do Governo de Cavaco Silva entre 1989 e 1991 e, mais tarde, foi ministro da Economia do executivo de Durão Barroso, de 2002 a 2004.
“Curiosamente, foi na primeira experiência política que tomei mais contacto com a música”. Na segunda incursão pelo governo, Carlos Tavares sentava-se ao lado do ministro da Cultura, Pedro Roseta, nas reuniões do Conselho de Ministros. Debatiam, muitas vezes, a importância da música como disciplina curricular do ensino obrigatório. “A música é uma componente muito importante da formação dos jovens. É vista como uma atividade lúdica, de entretenimento, mas é muito mais do que isso. Existe uma certa desvalorização em Portugal. O ensino não tem os meios necessários e a música é lecionada de uma forma deficiente”. Mais importante do que ensinar a tocar, é ensinar a ouvir.
Pedro Passos Coelho também partilha o gosto pela música, mas Carlos Tavares diz que nunca se proporcionou um dueto. “Temos uma característica comum. Somos ambos barítonos. Julgo que ele terá pouco tempo, mas espero que aproveite as horas vagas para cantar, como eu”.
Durante a sua passagem pela política, o economista também tinha menos disponibilidade para tocar e cantar quando chegava à sala de música da sua casa. “Fez-me falta esse equilibro. Aliás, acho que às vezes os membros do governo precisam de tempo para pensar, capacidade para se distanciarem dos problemas, mas sei que é difícil. Há muita pressão”.
Os acordes da CMVM
E se na política a pressão é elevada, na supervisão do mercado de capitais não tem sido muito diferente. Pelo menos, nos últimos dez anos. Em 2005, Carlos Tavares recebeu o convite para assumir o cargo de presidente da CMVM. Um desafio que partiu precisamente do seu antecessor no cargo, Fernando Teixeira dos Santos, que tinha acabado de ser nomeado ministro das Finanças do Governo de José Sócrates.
Quando chegou à supervisão do mercado de capitais, receava a monotonia. Acabou por atravessar uma crise financeira à escala mundial, a turbulência das dívidas soberanas, um país sob resgate internacional e os maiores terramotos da banca portuguesa – BPN, BPP e BES. A música foi a salvação.
“A CMVM sempre teve atividade musical. Em 2005 já existia um coro, mas de pendor mais erudito, com um reduzido número de pessoas”. Foi então que o ‘polícia’ da bolsa conheceu Manuel Rebelo, do coro Gulbenkian e do antigo grupo Tet-Vocal. “Desafiei-o a criar um grupo musical na CMVM”. A Associação do Pessoal da Comissão coordena a iniciativa e o conselho diretivo cedeu o espaço no primeiro piso do edifício. Nasceu o Arte&Valores.
“Além dos ensaios do grupo, eu e outros colaboradores temos aulas de canto com Manuel Rebelo”. As aulas são pagas pelos alunos. Carlos Tavares não é exceção.
O presidente da CMVM confessa que vai com regularidade à sala de música. E assume que desde agosto de 2014 – mês em que foi aplicada a medida de resolução ao Banco Espírito Santo – tem sentido necessidade de “fazer mais pausas”, nem que seja apenas por 15 minutos. Aí despe o casaco, tira a gravata, desliga o telemóvel, e toca ou canta, e os problemas esvaem-se.
O Arte&Valores já soma várias apresentações, como por exemplo um concerto no Brands Like Bands – festival de grupos musicais de empresas -, no Hard Rock Café em Lisboa. A banda da CMVM também acompanhou vários concertos de iniciativa solidária, protagonizados por Carlos Tavares, Manuel Rebelo e Vitorino Salomé.
No dia 29 de outubro, o grupo fará uma participação especial no concerto ‘Canções Perdidas’. “O Arte&Valores vai cantar duas músicas connosco. É também a minha despedida do grupo da CMVM”.
‘Canções perdidas’ e ‘perfeitas’
Carlos Tavares desafiou Manuel Rebelo para, em conjunto com um grupo de músicos e cantores de gerações diversas, rejuvenescerem cerca de duas dezenas de ‘canções perdidas’ com novos arranjos musicais e instrumentais. “São temas que se perderam ao longo do tempo e poucos se recordarão, desapareceram da nossa memória e dos nossos ouvidos. Costumo dizer que são também ‘canções perfeitas’, construídas naquele todo de melodia, harmonia e palavra, que fazem as verdadeiras grandes canções”.
Em total sintonia com o vasto leque de convidados, os músicos querem apoiar a defesa da música e a poesia portuguesas, e fomentar o ensino. “Parte das receitas será dedicada a financiar inscrições de crianças de famílias carenciadas na Associação de Ensino Musical Vocal Emotion, o projeto Emotion Kids de Manuel Rebelo. “É uma gota de água no problema de acesso ao ensino da música, mas é uma forma de chamar a atenção para o tema. O número de crianças a beneficiar será tão mais numeroso quanto maiores forem os proveitos do concerto, após o pagamento das despesas do espetáculo”.
O currículo de iniciativas solidárias de Carlos Tavares é vasto. Partindo da velha lenda dos três rios, Carlos Tavares (Douro), Vitorino Salomé (Guadiana) e Manuel Rebelo (Tejo), acompanhados pela Banda Visconde de Salreu, atuaram no Porto, em Estarreja e no Estoril, em benefício da associação Mama Help, Santa Casa da Misericórdia de Estarreja e Ser +.
Na plateia do auditório do ISEG poderão estar alguns dos supervisionados da CMVM, seus amigos. “Não há qualquer incompatibilidade. No dia seguinte, estamos na mesma posição, supervisor e supervisionado”.
Em contagem decrescente para terminar o seu mandato, Carlos Tavares garante que continuará a ser “músico amador”. “Ser presidente da CMVM e cantar nunca me causou qualquer embaraço. O importante é fazer as coisas bem feitas, na vida profissional e na pessoal”.
Reservas
O concerto Canções Perdidas terá lugar no auditório da CGD no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), na Rua do Quelhas em Lisboa, no dia 29 de outubro. Carlos Tavares e Manuel Rebelo serão acompanhados por um quarteto de vozes, composto por Liliana M. Silva, Sofia Formigal, Eurico Silva e José Pedro Albuquerque. O espetáculo terá ainda a participação especial do grupo musical da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, Arte&Valores. Também deverão estar presentes alguns dos autores e cantores das ‘Canções Perdidas’, como Luís Represas, Vitorino e João Gil. “Poderão ouvir cerca de duas dezenas de canções rejuvenescidas”, explica Carlos Tavares. No repertório destacam-se autores como Jorge Palma, José Luís Tinoco, João Gil, Vitorino, Pedro Abrunhosa, Tim, entre outros. Os lugares da plateia terão o custo de 20 euros e no balcão de 15 euros. Jovens até aos 18 anos ou adultos com mais de 65 anos terão um preço especial de 10 euros. As reservas podem ser efetuadas através do email cancoesperdidas@gmail.com.
*com João Madeira
Ficha técnica:
Canção: “Gavião voou à Torre”
Música: Carlos Tavares
Poema: Afonso Lopes Vieira
Arranjo: Filipe Raposo
Cantada ao vivo no Casino Estoril no concerto “Manuel Rebelo ao vivo” em 4/1/2015
Ficha técnica:
Canção: “Ausência em Valsa”
Poema e música: Vitorino Salomé
Arranjo: Afonso Alves
Cantada ao vivo no concerto Douro, Tejo e Guadiana na Casa da Música, com Manuel Rebelo, Vitorino e Carlos Tavares com a Banda Visconde de Salreu