De enorme crista vermelha moldada na mesma forma circular da pomposa cauda, pintado de preto e decorado com corações estilizados por entre uma miríade de pintinhas coloridas, com uns olhos muito redondos, um bico amarelo espetado para a frente e um pedestal azul onde são desenhadas as patas, eis o galo saído da imaginação dos barristas barcelenses.
O seu inventor, Domingos Côto, oleiro de Galegos Santa Maria e avô da famosa artesã Júlia Côta, criou o primeiro galo na década de 1930, ainda bastante tosco – nas palavras da neta –, inspirado na Lenda do Galo.
Esta é uma lenda oitocentista que reproduz uma outra do século XV da região de Rioja, em Espanha, e que reúne dois milagres muito difundidos na Europa durante a Idade Média: a história do enforcado salvo por S. Tiago (consta do Codex Calixtinus do século XII, que a situa como passada em Toulouse em 1090, com um peregrino alemão) e a do galo assado que se levanta para cantar (que aparece nos Evangelhos Apócrifos da época paleocristã).
Conta a versão portuguesa que a população de Barcelos andava muito alarmada com um crime não resolvido, quando um peregrino galego a caminho de Santiago se torna suspeito e é preso e condenado. Antes de ser enforcado, porém, pede para ser levado de novo à presença do juiz, que se preparava para almoçar.
Perante este, o peregrino reitera a sua inocência – e, como o juiz se mantivesse cético, o homem afirma que quando fosse enforcado o galo assado que jazia sobre a mesa se iria levantar e cantar.
Ora, quando o galo se levanta e canta, o juiz fica aflito e corre para a forca para salvar o inocente – sabendo, aí chegado, que este ainda está vivo, pois um nó mal feito salvara-o da morte.
Os primitivos galos de Domingos Côto eram muito pequenos, e foi só com o genro e a filha, Rosa Côta, que ganharam dimensão, atingindo mesmo o metro e meio de altura.
Mas em 1935 já um desses galitos fazia parte das dezenas de figurinhas de barro presentes na Exposição de Arte Popular Portuguesa que teve lugar em Genebra e, no ano seguinte, em Lisboa, conquistando a admiração, o respeito e o favoritismo de muitos barristas barcelenses.
Ora, pretendendo o Estado Novo construir uma imagem turística do país ligada às suas manifestações populares mais simples e honestas, o galo de Barcelos acaba por ser o escolhido para constar nas feiras e certames de divulgação turística como imagem de Portugal enquanto país do folclore, das tradições e da hospitalidade.
E nas décadas de 1950 e 1960 passa a ser não só um símbolo do turismo como um ícone da identidade nacional, com praticamente todos os lares portugueses a terem, pelo menos, um galo de barro na sua cozinha.
E ainda hoje, em versões mais contemporâneas, adotando formas monocromáticas ou reinventando o figurado tradicional, o galo de Barcelos continua a ser um símbolo dinâmico e inesgotável, sempre pronto a proporcionar uma nova visão criativa ao público mais exigente.