O Ministério Público acusou Peter David Boone do crime de manipulação do mercado. O arguido aguarda julgamento sujeito a Termo de Identidade e Residência.
Peter David Boone, de 53 anos, é doutorado, desde 1990, em economia pela Universidade de Harvard. Na data em que cometeu o crime, entre fevereiro de 2010 e final de maio de 2010, Peter Boone era investigador do Centre for Economic Performance e investigador visitante da London School of Economics.
No seu currículo tem ainda outros cargos como o de consultor macroeconómico para os governos da Rússia, Polónia, Ucrânia e Mongólia.
Em 2010, o conceituado economista era também administrador da Salute, uma sociedade gestora de investimentos sedeada nas ilhas Caimão, que prestava aconselhamento de estratégias de investimento à Moore.
A Moore era uma sociedade gestora de hedge funds (fundos de investimento especulativo) que prestava serviços a investidores high net worth (investidores com património elevado) e institucionais.
As sociedades iniciaram em fevereiro uma estratégia negocial que passava pela tomada de uma posição curta em dívida soberana portuguesa (em obrigações do tesouro).
Esta estratégia só permitia a realização de mais-valias se a dívida pública portuguesa desvalorizasse num intervalo de tempo curto, permitindo depois a recompra de obrigações a preços inferiores (subida das yields).
Tinham ainda de tomar posições longas em dívida soberana alemã, com o objetivo de potenciar (alavancar) os ganhos obtidos com o investimento.
Artigos dão um empurrão
Para serem bem-sucedidos, precisavam que os mercados conspirassem a favor desta estratégia.
E é aqui que Peter Boone decide explorar a sua veia literária. O economista escrevia com regularidade artigos sobre matéria económico-financeira em blogs da especialidade, designadamente no blog Economix associado ao jornal New York Times e no blog The Baseline Scenario.
Boone e Simon Johnson, juntamente com James Kwak (ex-consultor da McKinsey e estudante da Yale Law School) mantinham um blog denominado The Baseline Scenario.
No mês de abril de 2010, Boone escreveu nos dias 6, 11, 15 e 23 artigos de opinião, onde se referiu à situação macroecómica de Portugal, antecipando uma subida das yields, uma vez que Portugal seguiria o caminho da Grécia que, entretanto, havia solicitado ajuda financeira externa.
Mas nessas datas, Boone, enquanto membro da administração da sociedade Salute, prestava aconselhamento à sociedade Moore relativamente a investimento na dívida pública portuguesa.
Ou seja, o prestigiado professor britânico, enquanto administrador da Salute, tinha interesse na desvalorização da dívida soberana portuguesa, tendo conhecimento da estratégia seguida pela Salute e pela Moore à data da publicação dos artigos.
Nos artigos omitiu os seus interesses, o que podia influenciar os leitores e investidores na tomada de decisões de negociação relativamente à dívida soberana portuguesa.
Um dos artigos, escrito a 15 de abril de 2010 e assinado com Simon Johnson, foi publicado no blog Economix do The New York Times. Intitulava-se “O Próximo Problema Global: Portugal”. Este artigo teve eco na imprensa nacional.
Teixeira dos Santos critica “disparates”
Nessa altura, Teixeira dos Santos, ministro de Estado e das Finanças, reagiu ao artigo, afirmando: “Num mundo de expressão livre podem escrever-se disparates sem fundamentação”, reveladores de “ignorância quanto às diferenças que existem entre os vários países da Zona Euro”.
Teixeira dos Santos foi por isso prova testemunhal nesta acusação.
No disclaimer – declaração de interesses – desse artigo, Peter Boone ocultou que a sociedade Salute, por si gerida, prestava à data (e já prestara) aconselhamento sobre dívida pública emitida por Portugal.
Contrariamente ao arguido, nas declarações de interesses nos blogs The Baseline Scenario e Economix, Simon Johnson era totalmente transparente, alertando que não prestava aconselhamento, não pertencia à direção de qualquer empresa e que não transacionava ações, obrigações e derivados.
Simon até referia dava palestras pagas a vários grupos de negócios, incluindo instituições financeiras e a grupos que poderiam ter uma agenda política.
Boone ganhava comissão
A Salute ganhava à comissão pela prestação do serviço de aconselhamento. Uma comissão tão mais elevada quanto o lucro líquido das recomendações.
A sociedade aconselhou a Moore a investir em dívida pública nacional. Entre fevereiro e abril de 2010 foram realizadas várias transações. A Moore começou por constituir uma posição curta em dívida pública de Portugal, no valor de 97.350 euros, precisamente na altura em que se realizou em Londres reunião entre a Salute UK e a Moore UK, com a presença de Peter Boone.
Simultaneamente foi constituída uma posição longa em dívida pública alemã, com maturidade a cinco anos.
A partir de 15 de abril a Moore, por aconselhamento da Salute, começou a reverter a posição, alienando títulos da dívida alemã (que começaram a subir) e adquirindo obrigações do Tesouro emitidas pela República Portuguesa (que entretanto perderam valor), a preços inferiores aos da venda inicial.
Era pura especulação. A Salute e da Moore não tinham intenção de manter as obrigações portuguesas em carteira. Mas foram bem sucedidas. A mais-valia obtida com o investimento atingiu 819.099 euros.
Por tudo isto, a justiça portuguesa conclui: Peter Boone tinha interesse, em função da sua atividade profissional e atividade da sociedade que administrava, na desvalorização da dívida soberana portuguesa (na subida das yields), pressuposto em que assentava a estratégia negocial seguida em relação à dívida soberana portuguesa: só a desvalorização permitiria recomprar a dívida (encerrar a posição curta) com mais-valias.
O prestigiado académico sabia que, pelos seus conhecimentos de economia e experiência de mercado, os seus artigos eram suscetíveis de pressionar a oferta de dívida pública portuguesa, num contexto de grande instabilidade financeira, de receio de contágio com a dívida grega, estando os mercados em situação de elevada suscetibilidade.
Boone atentou contra as regras da livre concorrência e a confiança do mercado.
A investigação foi dirigida pelo DIAP de Lisboa e teve o apoio técnico da CMVM.
Entretanto, Peter Boone já veio negar que tenha praticado, “em qualquer momento, atos dessa natureza” e afirmou que vai defender-se “veementemente” dessa acusação.