Os casos são ainda raros, demorados e caros, explicaram ao SOL os vigários judiciais de várias dioceses do País. “Temos em média três processos por ano. A prática religiosa é baixa e as pessoas não estão muito preocupadas com isso”, admite o cónego Alfredo Dionísio, responsável pelo tribunal eclesiástico de Coimbra, acrescentando que “quando vêm regularizar a situação as pessoas já recasaram civilmente”.
No tribunal eclesiástico, os crentes alegam imaturidade, dizem que “tinham uma ideia errada sobre o casamento ou que casaram levianamente”, acrescenta João Martins Marques, vigário-judicial de Viseu, onde entram em média oito casos por ano. Outro dos argumentos dados por quem quer anular o acto é o de que um dos membros do casal não estava em condições psicológicas de assumir um compromisso.
Em Leiria-Fátima há uma média de dez casos por ano; na zona sul (Évora, Beja e Algarve) cinco. Nas maiores dioceses, os números são mais elevados e têm vindo a subir. Em Lisboa, entraram no ano passado 66 casos – mais 11 do que em 2013 – e no Porto correm atualmente cerca de 50.
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Porque desconhecem esta opção ou “não desejam remexer num passado doloroso” – que pode envolver traição, abandono e até violência – a maioria dos católicos que voltaram a casar não recorre a esta via. Vivem numa situação irregular perante a Igreja que vê a sua segunda união como adultério. Não podem confessar-se e comungar nem ser catequistas ou padrinhos de batismo.
Voltar a comungar
Foi para resolver a situação destas pessoas que o Papa abriu um enorme debate com o Sínodo da Família, que terminou esta semana em Roma. Após uma acesa discussão entre progressistas e conservadores, as conclusões apontam para uma abertura da Igreja nesta matéria, embora não total, como muitos reclamavam. Por um lado simplificou-se a via da nulidade matrimonial, através de um documento já publicado pelo Papa que torna o processo mais rápido, barato e simples. Por outro, abriu-se um via nova para os recasados cujo matrimónio não pode ser invalidado poderem regularizar a sua situação perante a Igreja e, em última instância, passarem a comungar na missa. O sínodo chamou-lhe “via do discernimento” e consiste numa avaliação caso a caso do percurso do divorciado. Por exemplo, qual a culpa que teve na separação, se tentou a reconciliação e como lidou com os filhos.
Muitos casamentos anuláveis
Apesar de chegarem poucos pedidos de nulidade aos tribunais da Igreja, os especialistas em Direito Canónico estimam que seja elevada a percentagem de casamentos suscetíveis de serem nulos. “Há quem fale em 80% dos casos, porque muitas pessoas casaram sem ter a noção da exigência do matrimónio”, acrescenta o vigário-judicial de Viseu, argumentando: “A mentalidade divorcista instalada fez com que muitas pessoas casassem excluindo o matrimónio como ele é: indissolúvel, para a vida toda. Casaram numa perspetiva de ‘ver se dá’, a dizer que não queriam ter filhos. Isso não é um casamento válido”.
Por isso, quase todos os pedidos de nulidade têm sentença favorável. Os que não têm é por “falta de prova”, explica o Patriarcado. Mas os processos que se iniciam já sofreram uma triagem prévia feita por um padre ou pelo próprio tribunal. E muitas pessoas já constituem advogado especialista em Direito Canónico para as orientar neste processo.