Parecia, mas nada se comprovou. O que parece, quase nunca é. Passos tem legitimidade popular, mas não a tem no parlamento. Costa não tem legitimidade popular, mas a Constituição oferece-lhe o conforto legal. O que se pode dizer que não seja uma efabulação? Que Passos Coelho lucrará mais se estiver sentado na primeira fila da oposição do que se aceitar o presente envenenado de liderar um governo de gestão. E que o secretário-geral do PS está prestes a conseguir o impensável: ser empossado primeiro-ministro por Cavaco Silva com um governo apoiado por partidos revolucionários.
Faltará a Costa ser realmente empossado, fazer com que o seu governo dure o maior tempo possível, conseguir que a maioria dos portugueses viva melhor, convencer os mercados a não se rebelarem, acomodar banqueiros e empresários a este ‘amanhã que canta’, e pedir a Nossa Senhora que o proteja como fez aos pobres pastorinhos em 1917, o ano em que Lenine meteu a burguesia na ordem. Já não faltará tudo.
Poucos acreditarão que o Presidente não nomeie António Costa após Passos e Portas caírem no hemiciclo. A hipótese de um governo de gestão é dramática para o país e para o PSD – viveríamos ligados à máquina e a esquerda indignada unir-se-ia e valeria mais votos na próxima eleição. No entanto, o que está na cabeça do Presidente é um puro mistério. Cavaco é uma figura da democracia, mas está mais próximo do perfil de Salazar do que de Sá Carneiro. Cultiva o silêncio, o estatismo e o preconceito. Sabemos que não considera o PC e o Bloco para governar (se a Constituição o permitisse é crível que colocasse a hipótese de os ilegalizar). Sabemos que é um homem preocupado com o seu próprio legado e deve ter pesadelos ao pensar no dia em que tiver de viabilizar comunistas no poder. Destino é cruel e marca a hora. Por tudo isto, reservo a opinião para depois da sua última decisão.
Não me admiraria que optasse por um governo de gestão, contra todas as expetativas e informações que recolhemos. Admirava-me pouco que tentasse convencer Passos ao sacrifício de levar a nau até às próximas eleições, uma nau formada por ministros pouco estimulantes, cinzentos e macambúzios. A ser verdade que vários terão recusado o convite do primeiro-ministro, é mais um sinal de que poucos se dispõem a sacrifícios, que tempo este. Também não excluo, numa hipótese académica que baralharia todas as contas, que Cavaco Silva se possa demitir. Aceleraria a escolha do próximo Presidente, condicionaria o governo a ficar em gestão e diria ao país que a sua decisão fora motivada um imperativo de consciência, o sacrifício de si próprio em nome de uma ideia patriótica.
Por outro lado, se o governo de Costa for empossado, poderá durar quatro anos? Não me atrevo a dizer que não. Se o conseguir, o grande perdedor das eleições será afinal um vencedor para a história. Acredito nessa possibilidade? Dificilmente. Mas também não acreditava em quase nada do que sucedeu nos últimos dias.
PS: Vários leitores criticaram-me por ‘diabolizar’ um governo de esquerda. Nunca o faria. O meu problema é outro: o PS perdeu as eleições, tem menos deputados do que o próprio PSD e falta-lhe legitimidade para corporizar a solução que propõe. Se as tivesse ganho seria diferente.