Operação Marquês: Novos indícios de crime com Sócrates já preso

  

José Sócrates foi detido em novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, mas o Departamento Central de Investigação e Ação Penal considera que o esquema de branqueamento de capitais continuou – e com a intervenção do ex-primeiro-ministro. A partir da prisão de Évora, renegociou um empréstimo conseguindo 100 mil euros e fez uma transferência bancária de 10 mil euros.

Segundo o SOL apurou junto de fontes judiciais, as escutas telefónicas e a quebra do segredo bancário permitiram perceber que a sua ex-mulher, Sofia Fava, tem feito uma grande ginástica financeira para manter em dia as prestações mensais – mais de 4 mil euros – do empréstimo bancário que contraiu para comprar um monte no Alentejo. A propriedade está em seu nome, mas o Ministério Público (MP) acredita que é património do ex-governante.

Com Carlos Santos Silva também preso e as contas congeladas, o circuito de capitais ficara comprometido. As mensalidades que até à detenção do ex-primeiro-ministro eram pagas com dinheiros que tinham origem em contas de Carlos Santos Silva passam a representar um problema para Sofia Fava e para o seu companheiro, Manuel Costa Reis.

Empréstimos de familiares e amigos

Perante as dificuldades em obter dinheiro, chegaram mesmo a falhar as datas de pagamento e a pedir dinheiro a familiares e amigos (depositaram até um cheque emitido por Francisco Pinto Balsemão, amigo de infância do pai de Manuel Costa Reis).

No final de 2014, o casal ainda consegue dar a volta à falta dos valores usualmente transferidos por Sócrates e a prestação do imóvel de Montemor-o-Novo é paga com dinheiro de uma conta de Costa Reis, que tinha sido transferido pela sua mãe.

No início deste ano, porém, Sofia Fava chegou a ter pouco mais de 90 cêntimos na conta. O pagamento dos 4.100 euros da prestação mensal só foi feito depois de José Sócrates ter conseguido uma renegociação do crédito que tinha na CGD e assim entregar 100 mil euros à ex-mulher.

Com este dinheiro foram ainda pagos os honorários do advogado Pedro Delille e devolvidos a Manuel Costa Reis os valores que adiantara a Sofia Fava para suprir as dificuldades anteriores. Mas, segundo fontes bancárias, a ex-mulher de Sócrates fez mais uma transferência: para a XLM, de Santos Silva, considerada suspeita.

Fava pagou 55 mil euros a empresa de Santos Silva

A passagem desse dinheiro foi alvo de uma análise profunda por ordem do procurador Rosário Teixeira, que quis perceber se se tratava de um reembolso de verbas pagas pela XLM a Fava, entre 2010 e 2014, sob pretexto de remuneração.

Em cima da mesa está também a hipótese de se tratar do pagamento das despesas suportadas pela XLM com o aparthotel de Paris onde Sofia, um dos filhos de Sócrates e outro de Pedro Silva Pereira ficaram enquanto o apartamento da Avenida Président Wilson – que o MP acredita ser de José Sócrates – esteve em obras.

Já em março, voltou a ser Manuel Costa Reis a suportar a mensalidade do monte alentejano, mas pouco depois surgiu uma nova transferência de José Sócrates, desta vez de 10 mil euros.

Pouco antes do verão, foi o depósito de um cheque de Francisco Pinto Balsemão que serviu para cumprir as obrigações.

Mais dinheiro em numerário

Até ao final do verão e sem a liberdade de Sócrates à vista, a principal preocupação do casal continuou a ser com as prestações do monte alentejano. Recorreram ao pai de Sofia Fava, venderam 5.600 dólares ao BES e mesmo assim foram obrigados a pagar algumas prestações de forma fracionada.

No pico do verão, as contas foram pagas com dinheiro em numerário depositado por Sofia Fava nas suas próprias contas.

O MP suspeita, por isso, que a prática do crime de branqueamento continuou, apesar de os dois principais arguidos se encontrarem em prisão preventiva.

As escutas telefónicas a pessoas do núcleo mais chegado a Sócrates continuaram durante a sua prisão e ao que o SOL apurou terão sido pedidas inclusivamente as listagens das chamadas feitas e recebidas pelos telefones do Estabelecimento Prisional de Évora.

Segundo as mesmas informações, depois de ter sido alterada a medida de coação para prisão domiciliária, em 9 de setembro, Sócrates foi mantido debaixo de todas as atenções. Os telefones da sua ex-mulher e do atual companheiro, incluindo o telefone fixo da Rua Abade Faria – onde estava obrigado a permanecer – mantiveram-se sob escuta.

A investigação pretendia continuar a rastrear a forma como tem sido pago o empréstimo contraído por Sofia Fava para aquisição do monte no Alentejo. Recorde-se que, como o SOL já noticiou, Carlos Santos Silva aceitou figurar como fiador do respetivo financiamento.

Notícias obrigam a redobrar cuidados com dinheiro

Nas vésperas de ser detido, em novembro do ano passado, José Sócrates estava já com dificuldade em obter dinheiro suficiente para cobrir todas as suas despesas pessoais, bem como as transferências para pessoas do seu círculo próximo.

Desde outubro que pressionava a editora Babel para receber o valor correspondente às vendas do seu livro – uma obra que, como o SOL já noticiou, terá sido escrita por um professor da Universidade de Lisboa e não pelo ex-governante e que foi um sucesso de vendas por causa do circuito montado por Sócrates e Santos Silva. Estes mobilizaram diversas pessoas para adquirirem cerca de metade da edição, com dinheiro proveniente da fortuna acumulada na Suíça.

Em novembro, as notícias sobre a sua vida de luxo continuavam e Sócrates tinha cada vez mais preocupações em ocultar a origem do dinheiro. Por essa altura, Sofia Fava referiu a pessoas próximas estar sem dinheiro para suportar as suas despesas e as dos filhos. Também uma amiga de Sócrates em Lisboa pediu ajuda financeira ao ex-primeiro-ministro. O ex-primeiro-ministro teve uma surpresa quando viu a conta bancária apenas com cerca de 500 euros.

Para contornar a situação, Santos Silva teve de fazer mais um levantamento: cerca de 10 mil euros que, ao que o SOL apurou, foram mais uma vez entregues ao ex-primeiro-ministro pelo motorista. João Perna foi buscar o dinheiro a Telheiras, onde têm sede as empresas de Santos Silva.

Recorde-se que, segundo os acórdãos já conhecidos do Tribunal da Relação de Lisboa, com receio das escutas e com referências à sua vida de luxo nas capas dos jornais, Sócrates evitava sempre usar a palavra dinheiro ao telefone – recorrendo antes a expressões como «aquilo», «fotocópias» ou ainda «testes do explicador do Duda» (diminutivo do nome de um dos filhos).

carlos.santos@sol.pt