E, no entanto, trata-se de uma realidade evidente há muitos anos, sempre omitida e por vezes mesmo negada no discurso político e sindical. Ela representa uma afronta à Justiça, um peso enorme sobre as finanças públicas e, ironicamente, uma carga fiscal adicional sobre os deserdados do país: os trabalhadores privados, que acabam por pagar impostos em excesso para sustentar privilégios injustificados dos seus colegas do setor público.
Vejam-se, apenas, os casos dos salários e das pensões.
O ganho médio mensal de cada funcionário público é hoje superior a 1.600 euros, mais de 60% acima dos trabalhadores privados e quase o dobro da produtividade média nacional.
Este é o resultado de duas décadas e meia de tropelias sobre o sistema público de remunerações, em que, pelas más razões, a política salarial serviu os interesses de uma Santa Aliança: anualmente, os sindicatos, sem poder no setor privado, exigiram para o público sempre mais do que a economia e as finanças permitiam – e, para os salários mais baixos, aumentos mais altos; no Parlamento, as oposições, irresponsáveis, apoiaram; e os governos, fracos, cederam, quase sempre. Assim cresceu o fosso entre público e privado; assim se esmagou demagogicamente o leque salarial público.
Quanto às pensões dos funcionários, o seu valor médio é de cerca de 1.350 euros, mais do triplo (!) das do setor privado. As listas de novos aposentados da Caixa Geral de Aposentações (CGA) confirmam todos os meses tal disparidade.
A soma do valor dos sobre salários pagos aos funcionários com o montante do subsídio anual à falida CGA atinge mais de dez mil milhões de euros por ano, cerca de 6% do PIB português e o dobro do máximo permitido ao défice anual público! Neste número obsceno, sempre a crescer e bem superior ao serviço de todas as dívidas somadas, reside boa parte do nosso desequilíbrio financeiro.
Por razões de segurança jurídica, o inevitável ajustamento terá de realizar-se ao longo de muitos anos. Por isso, quanto mais depressa começar, melhor. Até porque, por razões de igualdade, se trata de uma situação inadmissível, e que só tem sido mantida por ignorância generalizada dos principais interessados, sejam os privilegiados – que não sentem sequer que o sejam – ou, sobretudo, os deserdados do ‘sistema’.
Os principais responsáveis – nos governos, nas oposições ou nas direções sindicais – têm fugido, até hoje, a abordar este assunto. Alguns, por dele não se terem apercebido; outros, por, conhecendo-o, terem optado por não o enfrentar.
Incompetência e pusilanimidade têm assim impedido uma abordagem séria a partir do próprio ‘sistema’. Não nos admiremos, por isso, se um dia acabar por se afirmar um qualquer movimento apostado em capitalizar os votos de 4 milhões de trabalhadores privados e dois milhões de pensionistas da Segurança Social, ano após ano maltratados por políticos e sindicalistas.
Pode mesmo facilmente imaginar-se o seu lema de campanha: «És privado? Tás lixado!».
Os trabalhadores privados acabam por pagar impostos em excesso para sustentar privilégios injustificados dos seus colegas do setor público.
*Economista, ex-secretário de Estado-adjunto do ministro da Defesa Nacional