De acordo com o relatório final do surto de 'legionella', a doença, registada em novembro do ano passado, no concelho de Vila Franca de Xira, com maior incidência nas freguesias de Vialonga e da Póvoa de Santa Iria/Forte da Casa, causou 12 mortos e infetou 375 pessoas.
Quase um ano depois, ainda decorre um inquérito no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) da Comarca de Lisboa Norte-Vila Franca de Xira.
Numa resposta enviada à agência Lusa, fonte do Ministério Público (MP) adiantou que "os trabalhos já se encontram numa fase avançada" e que ali deram entrada 211 queixas de lesados diretos e de familiares das vítimas.
O surto de Vila Franca, que surgiu a 07 de novembro de 2014, vai ser um dos temas em destaque no Congresso de Pneumologia, que decorre entre hoje e sábado no Centro de Congressos Sana Epic, em Albufeira, no Algarve.
A demora na resolução deste caso está a preocupar algumas das vítimas deste surto, que aguardam "com bastante ansiedade" pelas conclusões do MP.
"Sentimo-nos totalmente abandonados. A impressão que dá é que se estão a borrifar para nós. Vamos ver se a culpa não morre solteira, como de costume", afirmou à agência Lusa Joaquim Perdigoto, uma das 375 vítimas da legionella.
Joaquim Perdigoto, de 44 anos, é motorista de autocarros na Rodoviária de Lisboa e conta que a doença, que contraiu há um ano, lhe deixou sequelas: "De vez em quando tenho ataques de tosse que me obrigam a parar o autocarro. A minha resistência também nunca mais voltou a ser o que era", lamenta.
Numa situação pior ficou Rosa Ribeiro, de 57 anos, que depois de ter apanhando 'legionella', desenvolveu síndrome de Guillain-Barré (doença que ocorre quando o sistema imunológico do corpo ataca parte do próprio sistema nervoso, por engano) e teve, há uma semana, um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que lhe paralisou parte direita da face.
"Não voltou a ser a mesma pessoa. Cansa-se a subir escadas, queima-se com frequência, até pegar numa moeda lhe custa", conta à Lusa José Ribeiro, marido de Rosa.
José Ribeiro refere que, na sequência destes problemas de saúde, a mulher, que trabalha num laboratório, teve, num espaço de um ano, de meter baixa pela terceira vez consecutiva.
"Fomos das primeiras pessoas a apresentar queixa. Fizemo-lo contra desconhecidos porque ainda não se sabe ao certo quem causou a legionella. Quero agradecer à junta da Póvoa de Santa Iria porque têm sido incansáveis connosco", afirmou.
A demora na conclusão do inquérito sobre o surto de 'legionella' está a motivar também o descontentamento do presidente da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, Jorge Ribeiro, duas das localidades que sofreram mais com a bactéria.
"Na altura vieram dizer que era um crime gravíssimo e passado um ano ainda não temos um culpado. Quero acreditar que as instituições estão a trabalhar. Tudo faremos para que não caia no esquecimento", sublinha o autarca.
No mesmo sentido, o presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Alberto Mesquita(PS), deixou também críticas à demora na conclusão do inquérito e admitiu a possibilidade de o município ribatejano interpor uma ação para ser "ressarcido dos danos de que foi alvo".
"Trata-se de uma averiguação complexa, no entanto, é necessário, por respeito às vítimas, que a Justiça conclua rapidamente este processo", defendeu.
O surto, o terceiro com mais casos em todo o mundo, foi considerado extinto a 21 de novembro, tendo na altura o ministro da Saúde, Paulo Macedo, realçado a resposta dos hospitais que "trataram mais de 300 pneumonias".
Com a divulgação de resultados laboratoriais a apontar para uma relação entre as bactérias recolhidas em doentes para análise e aquelas encontradas numa torre de refrigeração da empresa Adubos de Portugal, e com o caso a passar para a Procuradoria-Geral da República, o segredo de justiça é a justificação de algumas entidades, como a Inspeção Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), para não se falar sobre o desenvolvimento do processo.
A doença do legionário, provocada pela bactéria 'legionella pneumophila', contrai-se por inalação de gotículas de vapor de água contaminada (aerossóis) de dimensões tão pequenas que transportam a bactéria para os pulmões, depositando-a nos alvéolos pulmonares.
Lusa/SOL