Foram dois dias extremamente parecidos no último torneio do Challenge Tour, a segunda divisão do golfe profissional europeu.
Tal como 24 horas antes, o torneio de 375 mil euros em prémios monetários, destinado ao top-45 do ranking deste circuito, continua a ser liderado pelo dinamarquês de 25 anos, Joachim B. Hansen, perseguido a apenas 1 pancada do português de 24 anos. Ambos jogaram hoje em 67 pancadas, 5 abaixo do Par e Hansen fica a dever a sua liderança ao resultado de 66 (-6) da primeira volta.
Já na luta pelo nº1 da Corrida para Omã, Ricardo Melo Gouveia distanciou-se dos outros 3 jogadores que ainda podem destroná-lo.
Ontem, o algarvio estava a 1 pancada do sueco Bjorn Akesson (o 4º do ranking) e hoje tem 2 a separá-los; estava a 2 do francês Sebastien Gros (2º) e agora há 9 entre ambos; estava a 4 do espanhol Borja Virto Astudillo (3º) e neste momento cavou um fosso de 8.
Embora no golfe tudo seja possível, só um desastre nas próximas duas voltas poderá impedir o jogador do Team Portugal de tornar-se no primeiro português a fechar um ano como nº1 da Corrida para Omã (vulgo ranking do Challenge Tour).
«Não quero pensar nisso (no ranking). É claro que acabo sempre por fazê-lo inconscientemente, mas o meu foco está em vencer o torneio e concentrar-me de dia para dia, deixar que o meu jogo se mostre no campo e que a diferença para eles (os rivais na corrida par ao nº1) seja maior no final do dia», disse, após uma segunda volta em que aguentou o forte calor que se fez sentir, chegando a alcançar os 35 graus centígrados!
«Os primeiros nove buracos foram mesmo duros. Estava a sentir-me desidratado, a perder algum foco e a sentir-me realmente cansado, mas depois fiz alguns birdies no back nine e isso deu-me energia para os restantes buracos», acrescentou.
O que está a impressionar mais em Ricardo Melo Gouveia é a sua regularidade técnica e a sua capacidade mental de superar as dificuldades, fruto da confiança de uma época em que já venceu um torneio (na Alemanha) e foi vice-campeão noutros três eventos do Challenge Tour.
Para além do calor, os jogadores tiveram de lutar neste torneio contra o ruído de dezenas de aviões a aterrar e a partir de Omã, sobrevoando o campo a uma altitude muito baixa, com ruídos ensurdecedores.
«É a primeira vez que se vê tantos aviões. No ano passado não me lembro sequer de ver aviões a partir e a aterrar tão perto de nós. Influencia às vezes, quando estamos na rotina para dar o shot e temos de parar, mas já estamos habituados e é uma questão de estar mentalmente preparado».
A sua força mental também veio ao de cima por estar a jogar com o líder, que se encontra claramente inspirado. Hoje, Joachim B. Hansen arrancou em grande, com birdies nos buracos 2 e 3. As suas pancadas de saída são substancialmente mais longas do que as do algarvio, que nem é nada curto. E até ao buraco 11, em três momentos distintos, Hansen teve uma vantagem de 2 pancadas sobre Gouveia. Nada disto pareceu perturbar o profissional do Guardian Bom Sucesso Golf.
«Sinceramente, não fez qualquer diferença ter jogado no mesmo grupo dele. Estava mesmo concentrado no meu jogo e a tentar fazer o máximo de birdies possível», limitou-se a dizer.
Os birdies vieram a conta-gotas: o primeiro no 2 (como na quarta-feira), o segundo no 9, mas depois houve uma série de três seguidos no 12, 13 e 14, para ficar a apenas 1 de Hansen. Em todos estes birdies houve putts de grande nível.
«Joguei bem de novo e bati bem na bola, embora ontem tenha batido melhor. Hoje voltei a meter alguns bons putts. Estou a “patar” melhor, o que faz uma diferença grande nos resultados desta semana, porque não estou a bater muito melhor do que durante a época, só que estou a meter putts importantes e foi graças a isso que fiz duas voltas de 5 abaixo do Par», explicou.
Os putts em particular e o bom jogo em geral não vieram em seu auxílio só quando as coisas lhe correram bem, mas, sobretudo, quando lhe poderiam ter corrido muito mal.
Num torneio em que já não há nenhum jogador isento de bogeys (ontem havia três), Ricardo Melo Gouveia e o inglês Max Orrin são os únicos que ainda só perderam 1 pancada em 36 buracos – uma prova de elevada consistência.
Max Orrin é o campeão do torneio do Challenge Tour que no ano passado se disputou em Omã, mas sem o estatuto de Grand Final. O inglês gosta deste percurso e surge no 3º lugar com 8 abaixo do Par, depois de ter feito a melhor volta de hoje, em 66 (-6).
Mas voltando a Melo Gouveia, se ontem só tinha falhado uma pancada, hoje falhou duas: a segunda do buraco 10 e a de saída no 17, o malfadado 17 onde tinha feito a única saída deficiente na primeira volta.
«Tenho de treinar esse shot e imaginá-lo no treino. O facto de ter água à esquerda tem influenciado um bocadinho, mas hoje senti-me confiante para essa pancada. Não saiu como queria mas vou trabalhar hoje à tarde mais focado nessa pancada para que amanhã não aconteça», assegurou.
Se ontem foi parar ao fairway do buraco 10, hoje foi para dentro de uns arbustos. Alguns espectadores quiseram ajudá-lo e quando levantaram a vegetação a bola mexeu-se. O melhor português no ranking mundial (115º) chamou logo um árbitro que lhe deu “free drop” no local original. Melo Gouveia não gostou do lie, ainda afetado pelos arbustos, e decidiu “dropar” de novo, com penalidade. Foi o seu único bogey em duas voltas, foi o que o impediu de coliderar agora o torneio, mas foi o buraco que mereceu muitos aplausos, quer pela calma com que lidou com a situação, quer pelas qualidades técnicas demonstradas.
«A bola, mesmo depois de ter “dropado” mais ou menos no mesmo sítio, ficou numa posição que não iria dar-me uma grande vantagem se jogasse dali. Se calhar até iria piorar a situação. Optei por “dropar” e por ficar numa situação boa, para tentar o Par ou o bogey. Consegui um bom terceiro shot, dei um bom putt que pensei que iria entrar, teria uns 20 metros, mas levou um pouco de força a mais, e depois dei um bom putt de dois metros e meio ou três, difícil, a descer com linha para a direita, com a relva para a direita», disse.
Ángel Gallardo, o campeão do Open de Portugal de 1967, no Estoril, agora envolvido na candidatura espanhola à Ryder Cup de 2022, andava curioso com a fama do português, acompanhou-o em alguns buracos e ficou abismado com a forma como lidou com o desaire nesse buraco 17.
«Fez a escolha certa. Nem sempre acontece em jogadores tão jovens. Mostrou que tem cabeça. É o sinal de um grande jogador», referiu Gallardo, um dos autores do desenho do campo do PGA Catalunya, onde se joga a Final da Escola de Qualificação do European Tour.
Ricardo Melo Gouveia estava de novo a 2 pancadas de Hansen e a resposta não se fez esperar. No paradisíaco e icónico buraco 18, o mais fotografado do campo, sempre com a praia do mar arábico à direita, o português que brilhou como amador na equipa dos Knights da Florida foi mais agressivo na pancada de saída, deu uma boa segunda pancada para o green e meteu um putt de 3 metros para birdie, ficando de novo à distância mínima do líder.
O birdie no 18 foi o momento mais badalado, mas o mais importante talvez tenha sido o Par que salvou no 10. Hansen fez birdie aí e Melo Gouveia esteve perto de ficar subitamente a 3 pancadas de distância, quando se viu num bunker profundo, com muito pouco green até à bandeira, mas quando precisou foi capaz de alguma magia.
«No 10 tomei uma péssima decisão. Tinha muito green antes da bandeira e sabia que a única coisa que não poderia acontecer era passar para o bunker. Decidi jogar um ferro-8 em vez de um ferro-9, fui ao bunker e fiquei numa situação muito difícil. Acho que foi dos melhores up and down que já fiz até hoje – até comentei isso com o meu pai (Tomás, o caddie). O shot (do bunker) saiu quase perfeito e depois ainda meti o putt de três metros e meio», regozijou-se.
Jogar bem quase sempre e superar os obstáculos com calma, eis a chave do sucesso nos dois primeiros dias: «Estou muito contente. Acho que duas voltas de 5 pancadas abaixo do Par é muito bom para começar o torneio. Dá-me confiança para os próximos dois dias e dá-me oportunidade de vencer o torneio, que é o mais importante».
Artigo escrito por Hugo Ribeiro ao abrigo da parceria entre a Federação Portuguesa de Golfe com o Jornal SOL.