Se nos centrarmos na Europa Ocidental, podemos dizer que as populações dos países do norte, tradicionalmente mais ricas, apostarão estatisticamente muito menos numa segunda habitação do que as populações dos países do sul, tradicionalmente menos ricas. Os números parecem falar neste sentido, mas apenas se nos cingirmos à informação básica.
O conceito de habitação de cada inquirido, por exemplo, pode variar muito. Para países ricos e frios do norte, uma habitação é sempre uma construção com condições de habitabilidade minimamente definidas. No sul algumas construções antigas podem e são contabilizadas como segundas habitações, mesmo não tendo aqueles mínimos que a construção hoje exige.
Neste contexto, o que uns chamam de segunda habitação e os técnicos das estatísticas contabilizam como tal, pode ser para outros uma construção precária que jamais será considerada habitação, mesmo que segundas. Estes diferentes olhares sobre o que é uma casa também devem entrar na leitura das estatísticas, especialmente quando elas são tão paradoxais que nos surpreendem.
Paradoxalmente, o mesmo espaço informativo que dá relevo às estatísticas das segundas habitações na Europa Ocidental e sublinha que os ricos são os que menos apostam nessa solução, revela que um conhecido jogador de futebol multimilionário está prestes a investir 37 milhões de euros numa quinta em Gloucestershire, no sudoeste de Inglaterra, cuja mansão principal possuirá dez quartos, seis casas de banho e várias salas de estar e de jantar, mas que tem ainda 13 outros edifícios.
Estatisticamente, o número de ricos que podem comprar casas assim é insignificante, o que aliás até convém, tendo em conta que não haverá muitas ofertas desta envergadura no mercado imobiliário de Gloucestershire, do Reino Unido ou da Europa em geral.
O sonho do interessado comprador [David Beckham] – lê-se na referida informação – é poder viver com a mulher e os quatro filhos longe da confusão de Londres, onde atualmente vivem, numa casa arrendada.
Outros sonharão fugir da pacatez do campo e regressar ao centro de uma cidade, considerando que a sensação de viver perto de tudo será mais agradável do que viver na dourada mediocridade do campo, que já não será tão dourada nem tão medíocre como no tempo em que se inventou a expressão aurea mediocritas.
Também não está contemplada a ideia – justíssima – de que os senhores mais ricos do norte da Europa não compram segundas habitações na terra deles, onde quase só há as ofertas dessas em localizações frias. Mas a sul, ao sol, a preços que já não julgavam existir, a vontade de acrescentar propriedades à riqueza acumulada pode mudar.
Se até há gente que mantém veleiros de luxo para só os usar durante duas semanas em cada ano…
*Presidente APEMIP, assina esta coluna semanalmente