Orações e mortificações

As obrigações religiosas e de formação espiritual são tantas que o Opus Dei distribui mensalmente a todos os membros uma pequena folha com um quadro, onde estão assinalados os dias do mês e ao lado todas as tarefas a cumprir, como as orações a fazer, as conversas a ter e as práticas religiosas a seguir.

A cábula é usada essencialmente por aqueles que entraram há menos tempo, pois os outros depressa decoram as dezenas de normas de vida a respeitar. Afinal, repetem-nas dia após dia, semana após semana, anos a fio. Mal toca o despertador de manhã, cumprem o que chamam o minuto heroico, o que significa não ficar nem um segundo na cama. Beijam o chão e dizem “Serviam” (Servirei, em latim). Rezam 30 minutos de manhã e 30 minutos à tarde, assistem à missa, comungam, e no fim da Eucaristia reservam sempre 10 minutos para fazer orações de agradecimento (Ação de Graças). Se for terça-feira, rezam o Salmo II, se for quinta-feira o Adoro te Devote.

Diariamente são obrigados a recitar o Cântico dos Três Jovens e ir ao oratório fazer o que no interior do Opus se diz ser uma “visita ao Santíssimo”, orando três Ave-marias, três Pai-nossos e uma Comunhão Espiritual. Todos os dias, têm ainda de arranjar tempo para completar três terços e às 12 horas em ponto recitam o Angelus. É preciso ainda folhear durante 10 minutos um livro escolhido pelo diretor espiritual e ler o Novo Testamento durante cinco minutos.

Sempre que entram ou saem dos quartos, ou de qualquer outra divisão, devem olhar para a imagem da Virgem e dizer pequenas frases, como “Amo-te”. Do mesmo modo, à saída ou entrada das residências têm de saudar o Anjo da Guarda. Do rol de orações diárias faz ainda parte as Preces, a oração em latim exclusiva do Opus, e antes de a fazerem beijam o chão. Ao longo do dia têm também de passar algumas horas em silêncio.

À noite, ao irem para a cama ajoelham-se e com os braços em cruz rezam três Ave-marias. Antes de dormir deitam uma gota de água benta na cama. Todos têm um frasco, em regra de plástico, que enchem com água benta dos oratórios das residências e que levam sempre na mala quando vão de viagem ou para um retiro espiritual.

Pelo meio de todas estas orações, mortificam-se diariamente. É costume fazerem uma mortificação por intenção do Prelado, que em regra é tomar banho de água fria. Além disso, os homens e mulheres numerários e agregados usam, durante duas horas diárias, um cilício na perna. Trata-se de uma corrente em metal com picos, que se coloca na coxa. “O objetivo é sentir a dor”, resume um antigo numerário. Já uma agregada que abandonou recentemente a Obra e que assemelha o cilício “a uma coleira de cão com espinhos para apertar na virilha ou na coxa”, confessa que não só dói “como faz ferida e deixa marca”. Mas, acrescenta, é mesmo para a “colocar com generosidade, isto é, apertar bem”.

Os que trabalham nas residências da instituição podem pôr o cilício às horas que entenderem. Já aqueles que têm empregos no exterior têm de o colocar logo de manhã, antes de irem trabalhar, ou então quando chegam a casa ao final do dia. Isto porque é proibido levar este objeto de mortificação para fora dos centros do Opus.

Uma vez por semana, usam também as disciplinas, uns chicotes de corda, com os quais batem nas nádegas nuas, enquanto rezam uma oração à escolha. “Faz-se isso para viver bem a pureza”, explica a antiga agregada. “Dói imenso. Eu, por exemplo, rezava muito rápido para aquilo acabar”, confessa o ex-numerário Paulo Emiliano.

Desde há muitos anos que os membros do Opus Dei vão comprar estes objetos de mortificação aos mosteiros das irmãs carmelitas, conhecidos como Carmelos. “Ia muitas vezes ao de Coimbra buscar cilícios”, conta um antigo membro.

Ao domingo e nos dias de festa religiosos estão livres de fazer mortificações corporais. Já ao sábado, além de usarem o cilício, também não lancham. Para o Opus, só quem faz estes sacrifícios consegue atingir a santidade, sublinhando-se em documentos internos que todos os mártires da instituição, muitos já canonizados, se submetiam a mortificações. (…)

Estas práticas têm gerado algumas críticas, mas o Opus Dei desvaloriza-as. E em documentos internos compara as mortificações dos seus membros aos sacrifícios físicos a que muitas pessoas se sujeitam para se sentirem melhor, como fazer dietas ou cirurgias estéticas.

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Ao contrário dos membros celibatários, os supranumerários não são obrigados a fazer estas mortificações corporais e as suas regras espirituais são mais ligeiras e flexíveis. Mas também a muitos numerários e agregados é autorizado que, por terem certas profissões, não cumpram à risca os horários e práticas religiosas. Um médico, por exemplo, pode estar a operar na hora de rezar o Angelus. Ou um secretário de Estado pode estar fechado uma reunião. Mas nestes casos são permitidas alterações. Certo é que a maioria dos membros vai todos os dias à missa, e arranja forma de, consoante o seu horário, rezar e fazer exames de consciência e pequenos sacrifícios diários, como não pôr açúcar no café, não beber água quando se tem sede, não falar… (…)

* Excerto do livro O Fim dos Segredos, da jornalista do SOL Catarina Guerreiro