Uma combinação soalheira

O verão de São Martinho surge por cá associado às castanhas assadas, a uma certa gastronomia de outono e aos cavalos. Mercê sobretudo da famosa Feira da Golegã, ou de São Martinho.

O dia de São Martinho calhou a 11 de novembro (4ª-feira passada), mas a Feira da Golegã vai de fim de semana (o anterior) a fim desemana (este).

Os santos católicos têm vários Martinhos, incluindo um arcebispo de Braga (também chamado de Dume, o húngaro que por aqui cristianizou os suevos, e tem o seu dia a 22 de outubro), mas o que celebramos agora é o antigo bispo de Tours (França, séc. IV, também húngaro, da Panónia).

Filho de um comandante romano, cresceu em Itália, no seio de uma família pagã. Ele próprio seria também soldado romano. Descobriu o Cristianismo na adolescência, sendo mais tarde batizado, e tornando-se discípulo de Santo Hilário, bispo de Poitiers, que o ordenou diácono e presbítero. Fundou perto de Poitiers o mais antigo mosteiro conhecido na Europa, na região de Ligugé. Ficou famoso pelos milagres que lhe atribuem, e por isso atraía multidões.

O seu Dia (11 de novembro) é o da sepultura, três dias depois de morrer, em que se diz ter-se verificado um tempo inesperadamente caloroso e soalheiro. De qualquer modo, a sepultura, em Tours, é local de intensas peregrinações desde o século V.

Mas, para além do enterro, há ainda outra lenda com ele relacionada, dos tempos em que era ainda soldado. Num dia frio e chuvoso de inverno, em que regressava a casa, cruzou-se no caminho com um mendigo, a quem deu metade da capa, logo ali cortada a fio de espada. Mais adiante, deu a segunda metade da capa a outro mendigo. E eis que milagrosamente um sol quente o aqueceu por três dias, até ter tempo de novamente se agasalhar, enquanto Jesus Cristo lhe aparecia num sonho, a agradecer-lhe as vestes. E a verdade é que vamos tendo, neste época, uma nesga anual de verão de outono. Que também tem o seu fim, como atesta outro nosso provérbio: “Se o inverno não erra o caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho”.

O dia começou assim a ser celebrado por toda a Europa, calhando em sítios como Portugal em época de magustos e de provas de vinho novo. E lá diz o ditado: “no dia de São Martinho, vai à adega e prova o vinho”. E nos nossos usos, as comemorações de São Martinho foram-se juntando às muito próximas do dia de Todos-os-Santos, com fogueiras onde se assavam castanhas.

Em Espanha, o dia é muito ligado à matança de porcos (“a cada cerdo le llega su San Martín” – cada porco tem o seu São Martinho).

Mas entre nós, o anexim por excelência, é: “No dia de S. Martinho, castanhas, pão e vinho”. E cá temos por todo o país as castanhas assadas com jeropiga (vinho branco suave tipicamente português, em que se adiciona aguardente ao mosto para parar a fermentação), água pé ou o doce Moscatel de Setúbal. A animação (com petiscos, mercados, passeios de barco ou a cavalo) surge por todo o lado, mas não há como a Feira da Golegã (que este ano celebra a 40ª edição da Feira Nacional do Cavalo e 17ª Feira Internacional do Cavalo Lusitano). De qualquer maneira, é também cada vez mais a época para em toda a parte saírem à vista e ao palato os produtos artesanais.

Golegã: da mesa tradicional à contemporânea

Para quem ainda quiser ir apanhar os restos da Feira da Golegã, este fim de semana, ao almoço ou jantar, vamos propor-lhe entre outras hipóteses as duas que nos parecem mais marcantes: uma de comida tradicional, no restaurante (1º andar) do Café Central, no Lg. da Imaculada Conceição, numa esquina com boa vista para a Praça Central onde tudo se passa (a manga dos cavalos que giram por ali, vários concursos de cavalos, as casetas-pavilhões dos criadores, etc.); ou então o Capriola (restaurante de cariz muito mais contemporâneo, no magnífico e moderno Hotel Lusitano, muito mais afastado daquela praça central, no nº 4 da R. Gil Vicente).

O Café Central é uma casa tradicional da terra, com comida a condizer, muito boa, e frequentado desde sempre não só pelos locais, mas também pelos bons conhecedores de fora. Havia quem lá fosse pela fama das imperiais, mais do que do próprio café.

Já o Capriola, que foi buscar o nome a um movimento de cavalo em alta escola, tem os maiores pergaminhos da região em comida contemporânea, contando agora mesmo, ou há pouco tempo, com o estrelado José Avillez entre os seus consultores culinários.