Helmut Schmidt, estadista de nível munidal

Helmut Schmidt, ex-chanceler social-democrata da República Federal da Alemanha (1974-82), depois de ser ministro da Defesa (69-72) e das Finanças (72-74), foi pioneiro da cooperação económica internacional, empenhado no desanuviamento (iniciado por Willy Brandt) durante a Guerra Fria, e acentuou uma aproximação a Moscovo e ao Leste, mas sempre alinhando com os EUA.

Europeu convicto, aliou-se ao então Presidente francês da direita liberal Giscard d’Estaing para fazer avanços na integração do Continente (vindo a criticar, neste aspecto, outro europeísta e seu sucessor, o democrata-cristão Helmut Kohl), sendo considerado o pai do Sistema Monetário Europeu e da moeda única. Por outro lado, enfrentou, inflexível, as ações violentas do grupo terrorista de extrema-esquerda Baader-Meinhof (no mais complicado desafio de política interna alemã, entre 1970 e 77).

Ganhou o estatuto de estadista mundial e exerceria ainda, depois de sair do Governo (na altura, com sede em Bona), os cargos de chefe de Redação (1983-85) e diretor (85-89) do Die Zeit, um dos mais prestigiados semanários alemães.

Morreu no dia 10, aos 96 anos, depois de uma operação a um coágulo de sangue numa perna, em setembro, de que não recuperaria.

Chamaram-lhe o ‘Chanceler de Ferro’, muito antes de Thatcher ser a ‘Dama de Ferro’. Com efeito, apesar da aproximação a Moscovo, seria o primeiro dirigente europeu a denunciar a implantação dos mísseis balísticos soviéticos SS-20, em 1977, e a defender a colocação dos euromísseis da NATO. Aceitou mesmo a base norte-americana de mísseis-cruzeiro Pershing em território alemão (uma das principais razões para a sua queda).

Sucedeu a outro mítico chanceler social-democrata da Alemanha Ocidental, Willly Brandt, que se demitiu na sequência de um escândalo de espionagem descoberto no seu gabinete. Mais liberal do ponto de vista económico do que o antecessor, promoveu a economia de mercado num SPD ainda muito marcado pelo socialismo. Foi eleito entusiasticamente em 1974, e reeleito em 76 e 80. Uma crise económica fê-lo cair no Parlamento, acossado pela esquerda do seu partido e pelo abandono dos aliados liberais, vindo a suceder-lhe o democrata-cristão Kohl.

Mário Soares, que o incluía nos seus amigos internacionais, lembrou o apoio que Schmidt deu ao PS a Portugal para combater o PREC gonçalvista e, depois, para a adesão portuguesa à CEE.

Foi várias vezes votado como a figura mais popular da Alemanha. Fumador inveterado, aponta-se como o único alemão a poder fumar em todos os locais do seu país. Sobressaiu como um dos mais fervorosos opositores de Angela Merkel.

Helmut Heinrich Waldemar Schmidt nasceu numa família luterana, filho de um professor artisticamente dotado (como a mãe, dona de casa) e neto de um estivador, num bairro operário de Hamburgo, cidade onde viveu até morrer (com exceção dos tempos políticos em Bona). Cara bem cinzelada, olhos cinzentos, farto cabelo solto, ótima figura, estilo clássico, era um orador magnético. Talvez por isso demasiado confiante, segundo alguns mesmo arrogante, acabaria por não se preocupar com diplomacias para convencer os que o rodeavam.

Entrou na Juventude Hitleriana aos 16 anos, mas seria dela afastado logo em 1936, por manifestar opiniões antinazis. Mais tarde, foi incorporado no Exército, participou na II Guerra (tenente de Artilharia condecorado com a Cruz de Ferro, lutou nas Ardenas e na frente Oriental). Durante esses anos, conseguiu esconder o facto de ter um avô (o paterno, o estivador) judeu. Licenciou-se, a seguir à guerra, em Economia (1949). Viria, muitos anos depois, já político veterano, a ser conhecido como ‘Economista Mundial’.

Iniciou a ascensão política no pós-guerra. Presidente da Liga de Estudantes Socialistas (1947), teve o primeiro cargo político no governo municipal de Hamburgo, em 1949. Seria ainda eleito deputado federal (53) e líder parlamentar do SPD (67-69), antes de entrar no Executivo de Brandt, como ministro da Defesa. Foi particularmente hábil como economista em Hamburgo, e mais tarde em Bona, conseguindo manter a Alemanha Ocidental relativamente à margem da primeira crise do petróleo dos anos 70 – embora sem o mesmo sucesso em 79.

Enviuvou em 2010, depois de 68 anos de casamento, constando dois anos mais tarde ter uma nova relação. Casou durante a Guerra (em 1942) e fez-se social-democrata no fim do conflito, internado num campo de prisioneiros britânico.

Autor de três dezenas de livros, continuava a destacar-se em debates, apesar de haver deixado a vida política ativa há cerca de 30 anos. E nestes debates salientou-se pelas críticas à evolução da União Europeia, à exequibilidade da Alemanha multicultural ou à missão do Exército alemão no Afeganistão, mantendo a popularidade incólume. Ainda há pouco, a revista Stern, do grupo Beltersmann, o qualificou como “o chanceler mais significativo da Alemanha”.