Três mistificações da maioria de esquerda

Primeira mistificação. O Parlamento é maioritariamente de esquerda, visto que PS+BE+PCP somam 122 deputados em 230. Mas há na AR, igualmente, uma maioria de centro PS+PSD – e até com mais deputados, 175 no total. Ou seja, as maiorias parlamentares são de geometria variável. Dependem sempre do que queiram fazer os dois grandes partidos, PSD…

Aliás, nestes 40 anos houve quase sempre uma maioria de deputados de esquerda na AR. Maioria aritmética, mas nunca política. Mário Soares recusou-a repetidamente em 1976 (governando o PS em minoria), em 1978 (ao formar uma maioria com o CDS) e em 1983 (quando optou pelo apoio do PSD). Também António Guterres ignorou essa maioria aritmética em 1995 (quando lhe faltavam 4 deputados para a maioria) e em 1999 (quando lhe bastava um só deputado). E até José Sócrates, em 2009, recusou uma maioria disponível com os 31 parlamentares do BE e do PCP, preferindo governar em minoria.

Segunda mistificação. Há uma maioria clara de mais de 60% dos eleitores (todos menos os que votaram na coligação) contra a austeridade. Ora, como é óbvio, ninguém vota a favor da austeridade, todos terão votado contra ela. Desde os eleitores dos partidos de esquerda aos do PSD e do CDS, crentes de que era possível o Governo aliviá-la agora, depois de ter posto as contas do país em ordem nos últimos quatro anos. E, pela mesma lógica, se poderia dizer que mais de 80% dos eleitores (todos menos os do BE e do PCP) votou a favor da União Europeia e da moeda única – e que o PS defraudou essa ampla maioria.

Terceira mistificação. Isto é a democracia a funcionar, diz a esquerda. E é, também, uma chico-espertice pós-eleitoral – governam os derrotados – feita ao abrigo das generosas regras da democracia, mas que a desvirtua – ética e politicamente. António Costa sempre escondeu, antes do dia 4 de outubro, que tinha no bolso esta solução à Syriza. Se o tivesse revelado antes, o PS não chegaria aos 32,3% de votantes que teve. Por certo, não atingiria sequer os 25%. Como adiante se verá.

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