Rei, ministros, membros da oposição, empresários, artistas e até Maradona – o 40.º aniversário da Marcha Verde, com que Hassan II acabou com a colonização espanhola no Saara Ocidental, foi assinalado no dia 6 com a presença de uma comitiva ilustre que deixou a cidade de Al Aiune em ambiente de festa permanente, sem vestígios dos movimentos independentistas que tentaram resistir à iniciativa do pai do atual monarca.
Adornadas nas vésperas com milhares de bandeiras marroquinas, as ruas de Al Aiune encheram-se logo pela manhã com milhares de pessoas que ajudaram a pintar de vermelho e verde uma cidade preparada para receber o Rei Mohamed VI. «Vale a pena esperar, temos muito para lhe agradecer», disse ao SOL Mustapha Mosbour, um habitante da cidade que tinha apenas três anos quando esta deixou de fazer parte de Espanha. Mustapha não se recorda do impacto da mudança, mas está certo que «hoje é tudo muito diferente, para melhor».
«O nosso sentimento é este», diz enquanto aponta para as famílias inteiras que preenchem a rua, «pode falar com qualquer pessoa que ninguém lhe vai dizer mal do Rei». Após 16 anos a trabalhar em Itália, Mustapha voltou à terra natal porque esta agora «tem infraestruturas que permitem uma vida melhor» do que a que deixara para trás, incluindo alguma oferta de emprego que lhe permitiu estabelecer-se como eletricista. Razões que o levaram a esperar pelo Rei durante várias horas, sob o calor do deserto que rodeia esta cidade com cerca de 250 mil habitantes.
Apoio capital
Uma lotação aumentada nos dias de festa, como denunciaram as dezenas de autocarros (e alguns aviões) que chegaram à cidade na sexta-feira, trazendo mais gente e cor à receção ao Rei que não visitava a região desde 2006. «É um dia muito importante, não só para as populações do sul», explicou Boucha Moch, vinda de Rabat para «mostrar orgulho pela Nação».
Com apenas 22 anos, Boucha recorreu às lições de História e de língua inglesa para se desdobrar em conversas com vários dos mais de 40 jornalistas internacionais que acompanharam as celebrações a convite do Governo. «Aqui não havia nada, agora têm tudo», garantia a jovem entre os sons de buzinas e cânticos de ordem que se escutavam nas ruas centrais de Al Aiune. Tal como Mustapha, Boucha desvalorizava a hipótese de assistir a sinais de dissidência: «Vê-se como as pessoas são felizes, ninguém vai protestar». Mais velho e ciente do dia-a-dia da cidade, o eletricista admitia a existência de «pessoas que não se sentem marroquinas», ressalvando que essa «pequena minoria» não seria vista entre a multidão.
Regionalização como limite
Já o sol se tinha posto há muito quando chegou o monarca, saudando nas ruas circundantes ao aeroporto os milhares de pessoas que o aclamavam. No interior da residência oficial, Mohamed VI anunciou o «amanhecer de uma nova era no processo de consolidação da unidade nacional e na completa integração das províncias do sul» no reino de Marrocos.
O plano de investimentos anunciado – que inclui a construção de milhares de quilómetros de autoestradas, caminhos de ferro, criação de parques industriais, plantas de dessalinização e infraestruturas como um hospital universitário em Al Aiune – prevê um modelo de «regionalização avançada» que Mohamed VI garante ser «o máximo que Marrocos pode oferecer».
«Aqueles que estão à espera que Marrocos faça mais concessões estão a querer enganar-se», disse em referência aos independentistas sarauís da Frente Polisário e aos seus apoiantes argelinos. Lembrando o campo de refugiados de sarauís em Tindouf, Argélia, onde denuncia a persistência da «pobreza, do desprezo e das violações sistemáticas dos direitos fundamentais», o monarca pediu uma «explicação para o facto de os líderes separatistas serem obscenamente ricos e de terem imobiliário e contas bancárias na Europa e América Latina».
As mesmas mentiras
O fogo-de-artifício que se seguiu ao discurso, tal como o jogo de futebol em que Maradona se juntou a antigas estrelas do futebol africano, consolidaram o clima de festa que se prolongou nos dias seguintes, com um festival de música a acompanhar os cinco dias que o Rei reservou para as três «províncias do sul».
De independentismo sarauí nem uma mostra. «Houve pequenas manifestações nos bairros, mas ao centro da cidade era impossível chegar», disse ao correspondente do El País Brahim Dahane, presidente da Associação Sarauí de Vítimas de Violações Graves dos Direitos Humanos. O ativista reconhece que a governação marroquina «melhorou algumas infraestruturas», embora isso não se
tenha refletido em melhores condições de vida para os sarauís. «Para os colonos marroquinos sim, porque é esse o objetivo desta política sistemática. Melhoraram infraestruturas para levar daqui os nossos recursos e trazer a sua população. Para os sarauís não mudou nada», acusa Brahim Dahane antes de desvalorizar as promessas de Mohamed VI: «A promessa de um caminho de ferro que una Marraquexe ao Saara já a fez Hassan II em 1980. Até hoje ainda não o vimos, são as mesmas mentiras».
nuno.e.lima@sol.pt *em Al Aiune a convite da Embaixada marroquina