António Tomás Correia: ‘Governador faz muito bem em manter o silêncio sobre o Montepio’

Tomás Correia, presidente da Montepio Geral Associação Mutualista, vai a votos para um  novo mandato depois de meses de polémicas sobre o grupo. Acusa a oposição de criar uma «campanha» infundada e defende a atuação do regulador.

Afirmou que seria recandidato à presidência da Associação Mutualista (AM) para combater a má imagem do Montepio. É o seu propósito?

O Montepio sofreu nos últimos 14 a 15 meses ataques à sua reputação. Hoje, está bem claro que esses ataques partiram de quem tinha projetos de poder pessoal para a instituição. Não é por acaso que assistimos ao aparecimento de cinco listas, para além da proposta pelos órgãos sociais do Montepio que integro. Neste quadro de ataques, não poderia furtar-me a este combate eleitoral, porque penso que são injustos, não têm fundamento e resultam de um quadro de maleficência que prejudica a instituição.

Está confiante que a lista que lidera vencerá as eleições?

Estou. Respeitamos muito a democracia. Entendemos que o primeiro passo para ganhar eleições é saber que podemos ser derrotados. Por isso, temos de trabalhar para passar a nossa mensagem.

Qual é a mensagem?

Está extraordinariamente fundamentada no percurso invejável do Montepio nos últimos dez anos. Multiplicámos por 2,5 vezes o número de associados, passando de 250 mil para 650 mil associados. É um número inquestionável. Multiplicámos o balanço por quatro vezes. O número de produtos mutualistas subscrito por associados passou de um para 1,8. Diversificámos a oferta tradicional, entrando no mutualismo moderno.

E os resultados? Registaram prejuízos em 2013 e 2014.

Na atividade bancária, tivemos resultados positivos em 2011 e 2012. Em 2013 e 2014, os resultados foram negativos em 380 milhões. Mas fora da área financeira, o Montepio teve resultados positivos de 276 milhões. Em termos consolidados, perdemos 109 milhões de euros. É sempre mau perder dinheiro, naturalmente. Mas conseguimos ser independentes. Não pedimos ajuda a ninguém.

Como justifica que os seus oponentes não façam a mesma leitura?

Não lhes convém. É preciso ter uma cegueira completa relativa ao Montepio para tirar determinado tipo de conclusões. Às vezes, penso que as pessoas vivem num quadro esquizofrénico e quando se olham ao espelho de manhã confundem a sua imagem com a de alguém que os afeta muito.

Parece pensar que há um assalto ao poder.

Direi que há uma atuação concertada de várias forças, que ainda assim não conseguiram colocar-se de acordo para apresentar uma lista de unidade contra os atuais órgãos sociais, porque não se entenderam em relação ao modelo de partilha do poder que pudessem vir a conquistar. Mas não têm qualquer visão para o futuro.

Todas as listas defendem uma Caixa Económica (CEMG) direcionada para o setor social e afastada de grandes negócios, enquanto a sua lista é omissa….

Essas pessoas não sabem o que se passou no Montepio nos últimos anos. Os autores dessas listas já defenderam isso e o seu contrário. No fundo, as afirmações resultam quanto à conveniência de estar agora a favor ou contra. O Montepio não fez outra coisa a não ser reforçar a sua posição na economia social. É hoje um parceiro certo, firme e seguro com uma quota de mercado de quase 30% na economia social.

Que efeitos tiveram as notícias no Montepio?

A campanha causou um dano à reputação do Montepio. Não passou incólume. Existiam muitas dúvidas. Mas o pior foi o enorme prejuízo causado aos mutualistas e aos clientes da Caixa, que perderam o rendimento que tinham acumulado ao longo de anos.

Qual foi a dimensão das perdas?

Quando se tem algo e se perde, é sempre muito importante. Não podemos dizer que perder cinco ou dez é muito ou pouco. Temos muito respeito pela poupança de todos, por mais pequena que seja.

Houve uma corrida aos balcões…

Vezes sem conta, foram distribuídos SMS, alertando que o Montepio poderia fechar portas em diversas segundas-feiras ao longo do ano. A realidade mostrou o contrário. A capacidade de resistir e de desenvolver a relação com os clientes foi notável. Diria que se não fosse a relação com os associados, o Montepio não teria resistido a esta campanha. Existe um sentido de pertença. Os associados são donos da instituição.

Há factos que não tiveram origem na oposição. Como a auditoria do Banco de Portugal…

É um caso que se propagou durante meses até se verificar que não se tratava de uma auditoria forense, mas de uma auditoria especial, como tantas outras que existem. Dessa auditoria resultaram alterações sem qualquer impacto patrimonial para o banco. A realidade comunicada não tem rigorosamente nada a ver com a realidade apurada. Aquilo que nós dizíamos não era verdade e aquilo que outros diziam era. Essa coisa da auditoria forense foi uma invenção. Não tinha propósitos benignos. E serviu às mil-maravilhas para orquestrar uma campanha contra o Montepio e para que uns quantos associados começassem a alavancar candidaturas. Não há um único caso que tenha sido anunciado ou publicado como catastrófico e que se tenha vindo a mostrar verdadeiro.

O que explica o silêncio do supervisor?

Eu defendo que a supervisão não se discute nos jornais. Acho que o Sr. governador faz muito bem em manter o silêncio sobre o Montepio. As coisas que funcionam bem não precisam de ser objeto de intervenção. No passado, temos exemplos em que foram feitas afirmações que a realidade não comprovou. No Montepio, não temos nenhuma observação crítica a fazer ao Banco de Portugal nessa matéria. O regulador funciona bem. A supervisão faz-se de uma forma direta, franca, leal, aberta. Não tem de ser publicitada nem falada nos jornais.

A dúvida da esfera pública não deve ser combatida com armas públicas?

Não acredito que a atuação do regulador possa produzir resultados quando temos um conjunto de agentes apostados em investir na instabilidade de uma instituição.

Mas o governador esclareceu a participação de uma operação suspeita de branqueamento de capitais ao Ministério Público.

Essa é uma história absolutamente extraordinária. Foi o Banco de Portugal que sentiu necessidade de esclarecer que a queixa não diz respeito aos bancos, mas aos clientes. Foi tudo manipulado.

Por que é que o Montepio não denunciou a operação?

Nós nunca fomos solicitados para esclarecer operações, não sabemos quais são, não temos qualquer notificação. Se foram operações que passaram pelo Montepio e não foram denunciadas é porque tínhamos a informação que atestava a regularidade dessas operações. Foi mais um caso que começou mal, alarmou e depois não era nada daquilo.

O que está por detrás das fações no Montepio? Política, maçonaria?

Não faço a mais pequena ideia. Não consigo encontrar um fio condutor. Isto não é uma coisa de partidos. Há uma lista que se esconde atrás do presidente do conselho fiscal. A pessoa que terá mais poder, visibilidade e responsabilidade será o presidente.

Acha que essa lista ganha maior projeção por ter nomes sonantes?

Não me parece que sejam sonantes. Tenho um grande respeito pelo Dr. Bagão Félix. É uma pessoa que podia perfeitamente fazer parte de uma lista do conselho de administração. Agora já não posso dizer o mesmo em relação à composição global da lista.

Alguma dessas pessoas tentou entrar na sua lista?

Houve tentativas para que eu integrasse pessoas sem qualidade na administração da associação mutualista, o que foi recusado por não lhes reconhecer qualquer capacidade. Aliás, recebemos a indicação que se aceitássemos duas pessoas – não vou referir os nomes – toda a campanha contra o Montepio acabaria.

Como comenta a analogia que tem sido feita entre o Grupo Espírito Santo e o Montepio?

É mais um absurdo. Como se pode comparar uma associação de pessoas a uma organização que é uma associação de capital? Como se pode comparar um grupo financeiro que é dominado por uma família com um grupo que é dominado por 650 mil associados? Como se pode comparar um grupo que vive em democracia interna com um outro que era dirigido por uma família que tratava de tudo no silêncio dos gabinetes e em que nada transparecia para o exterior? Não se pode comparar alhos com bugalhos, como se diz na minha terra. Que digam ‘O Tomás Correia é isto ou aquilo’… Agora, pôr em causa a instituição maça-me um bocado, indigna-me e não é próprio de um associado desta casa.

O líder da lista D usou a expressão ‘Dono Disto Tudo’ no Montepio.

Há pessoas que vivem num quadro de esquizofrenia.

O Montepio tinha relações de financiamento com o GES.

Havia relações, como todos os bancos. Li que o GES deixou dívidas bancárias de 1.300 milhões no sistema. O Montepio tinha uma pequena parte disso e posso dizer que os recuperou em boa ordem.

Ao conceder financiamento, de alguma forma apoiava o grupo?

O Montepio não tem relacionamentos pessoais, sejam eles quais forem. A nossa lógica de relacionamento com o tecido empresarial é institucional. Sem ferir o segredo bancário posso dizer que o Montepio nunca teve uma relação de financiamento com as holdings do Luxemburgo que faliram. Nunca.

Mas relacionava-se com as empresas na base da estrutura?

Em termos de política geral, o Montepio gosta de ter relações com empresas ligadas às atividades produtivas.

Não se relacionava com o presidente do BES?

Conhecia o presidente do BES. Mas, ao longo de 48 anos de trabalho em banca, não tive mais do que cinco almoços com presidentes de bancos. E quando digo cinco, estou a exagerar.

Que interpretação faz da queda do BES e da prisão domiciliária do Dr. Ricardo Salgado?

Surpreendeu-me. Acontecimentos desses não são bons para o país, para o sistema financeiro ou para a economia. Só posso lamentar.

Passemos às eleições. Em termos genéricos, quais são as propostas da sua lista?

Temos a base para um novo patamar de desenvolvimento, que assenta na capacidade de ultrapassar os desafios de grandes áreas. A primeira é a gestão especializada da CEMG. Escreve-se muito sobre separação. Não há separação entre a CEMG e a AM. O que há é uma gestão especializada, como existe nas outras áreas. De acordo com a Lei das Caixas Económicas, que entrou em vigor em 10 de outubro, a gestão especializada vai funcionar com independência, respeitando algumas regras. Por exemplo, a estratégia para o grupo vai ser definida pela AM. O essencial de cada uma das suas instrumentais será definido pela Associação, ouvidos os respetivos conselhos de administração. E dentro dessas definições, as instrumentais serão independentes.

E as outras áreas?

Uma outra área é a dinamização da nossa oferta associativa. Queremos ir mais longe. Para nós, seria muito importante consolidar as parcerias com as instituições da economia social.

Criar uma rede de saúde?

Sim, desafiar. O Montepio não pode ter medo da sua dimensão e tem de assumir-se como o grande parceiro da economia social e ir ao encontro das necessidades dos portugueses. É por isso que a lista A fala muito na área da saúde, mas há outras coisas para fazer.

E a última área?

A AM vai passar a ser supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Falam como se estivéssemos contra, mas desde 2007 que o Montepio defende a modernização do seu modelo de governo. Até apresentámos um projeto para uma Lei de Caixas Económicas no Banco de Portugal. A matéria tem sido mal percebida pelo legislador. Achamos que o bom senso vai imperar. O Montepio nada tem contra esse caminho.

O que vai ter de mudar?

É sobretudo uma questão de organização interna, é uma questão de preparar a instituição para fazer os reportes necessários de acordo com o ritmo estabelecido.

São canalizados recursos da AM para a CEMG. Há o risco de exposição excessiva?

É óbvio que não. O capital da CEMG não é aberto. É institucional e o único detentor é a AM. Se não pusesse capital, quais seriam as consequências para a AM? Seria uma perda brutal. Perdia tudo o que lá colocou. Essa é mais uma matéria que é tratada levianamente por quem aborda o tema com simplicidade. Diz-se ainda que a AM faz a gestão da sua tesouraria corrente através da CEMG. Passa pela cabeça de alguém que utilizássemos o banco do lado para gerir os nossos depósitos à ordem ou aplicações de curto prazo?

Mas a AM tem um nível de exposição de 90% à CEMG?

É completamente falso.

Há diversificação?

Claro que há. Temos uma estrutura de aplicações que vão desde participações financeiras até imobiliário ou dívida pública. Quando se diz que temos 90% das aplicações na CEMG, está a dizer-se um disparate. É falso e não tem ponta por onde se lhe pegue.

O novo regime abre a porta à entrada de novos acionistas. Tal poderá vir a acontecer?

A nova lei permite que as Caixas se transformem em sociedades anónimas, cujo capital seja representado por ações nominativas. Até ao momento não há determinação do Banco de Portugal. Quando e se houver, cria-se uma situação nova. Tenho dúvidas sobre a utilidade. O legislador teve o receio de dizer que caixas com determinada dimensão podem ser transformadas em bancos. Tem medo porque pode ter impacto na opinião pública. Mas uma caixa económica bancária não é um banco no sentido puro e duro do termo? Acho que faltou explicação ou coragem do legislador para fazer o que lhe apetecia.

Mas qual é a sua posição?

No Montepio não olhamos para isso com intensidade dramática. Se é assim que o legislador entende, o Montepio adaptar-se-á e não vemos nisso mal. Não está no programa, mas em termos pessoais, oiço dizer há muitos anos que as misericórdias e outras instituições sociais gostavam de ter um banco. Então porque não criar um grande banco da economia social? A economia pode ter essa ambição e o Montepio estará disponível para discutir isso, e transformar a nossa Caixa Económica num grande banco da economia social, com participações de capital na gestão, com acordos parassociais muito bem definidos.

joao.madeira@sol.pt e sandra.a.simoes@sol.pt