O bluff de Passos Coelho

Cavaco Silva dá jogo, baralha e dá de novo. Parece estar divertido e a fazer render a sua última decisão política. Faz lembrar um miúdo a pedir um barquinho de doces de ovos e a comê-lo com uma colher de café para que não acabe. Um menino que come a sua última guloseima porque sabe…

Perante a situação, Passos Coelho afirma e reafirma que não é favorável à ideia de ser primeiro-ministro num governo de gestão. Mas será essa a realidade? Nos corredores do parlamento os deputados da coligação de direita rezam a todos os santinhos para que o Presidente não nomeie António Costa – o gosto que seria poderem gozar com as bancadas de esquerda. E o que dizer do debate organizado pelo PSD que juntou constitucionalistas adversos à hipótese de nomear Costa? E como interpretar a revisão de Constituição pedida pelo próprio Passos Coelho? 

O tema é pertinente: estará Passos a fazer bluff e a trabalhar para que Cavaco possa não empossar Costa? Na minha opinião, sim. Está a fazê-lo de uma maneira pragmática por ter concluído que entre o risco de se fragilizar em gestão e o risco de Costa aproveitar o tempo que lhe derem de governação, prefere correr o primeiro dos perigos. Várias figuras do PSD e CDS podem pensar (e se não o pensam alguma coisa estará mal), que se o líder do PS teve a capacidade de chegar até aqui, poderá como primeiro-ministro criar uma perceção de mudança na vida das pessoas. Além do mais, se nada acontecer de extraordinário, Marcelo Rebelo de Sousa será o próximo Presidente. Uma boa notícia para Passos? Pelo contrário, uma notícia complicada: Marcelo e Passos não se suportam. Com estas condicionantes deixar Costa entrar na sala do poder é uma temeridade – abandonar a mesa de póquer sem a certeza de se poder voltar a sentar é um impensável risco. 

Então porque Passos insiste na ideia de que não quer ser primeiro-ministro de gestão? Por pura estratégia. O primeiro-ministro sabe que tem um capital político que não é de menosprezar. Ganhou as eleições, tem a imagem de homem sério, obstinado, coerente, desprendido. Gosta de sublinhar que não está agarrado ao poder, que não é como a maioria dos outros, uma parte importante do país acredita nisso. Logo, se a questão se colocar e for nomeado em gestão, aceitará o lugar visivelmente contristado, chocado, em protesto. Se tal acontecer, dirá todos os dias que lamenta a situação, que não a quis, que não o deixam trabalhar, que tenta fazer o melhor para o país mas que as suas propostas são rejeitadas por uma maioria negativa. Passos diz que não, mas quando diz não é no sim que pensa.

luis.osorio@sol.pt