Os Delaunay e a arte que foge da violência

Sonia e Robert Delaunay refugiaram-se em Portugal entre junho de 1915 e janeiro de 1917, em fuga da guerra na Europa. Fugiram primeiro para Madrid e depois, “atraídos pelo modernismo lisboeta e pela publicação da revista Orpheu”, como explica a curadora da exposição O Círculo Delaunay, Ana Vasconcelos, instalaram-se em Vila do Conde, encantados com…

À volta deles reuniu-se um círculo que incluía o pintor Eduardo Viana, Amadeo de Sousa-Cardoso, e, na capital, Almada Negreiros. O encanto por Portugal perdurou. Sonia iria mesmo, já em 1937, na Exposição Internacional das Artes e das Técnicas, em Paris, criar um grande mural de nome Portugal, e que, “juntamente com outro, daria a Sonia Delaunay a medalha de ouro de pintura mural na exposição onde Picasso apresentou Guernica”, conta Ana Vasconcelos, como exemplo do profundo impacto que o país, então distante e obscuro, teve na russa.

A exposição no Centro de Arte Moderna (CAM) que abriu na sexta ao público – faz parte de um conjunto de quatro, que renovam o ciclo de exposições temporárias – reúne cerca de 100 obras dos Delaunay e dos artistas que gravitaram à volta deles em Portugal, numa comunidade criativa que partilhava do entusiasmo pela cor. Cerca de metade das peças são do próprio CAM, as outras foram emprestadas por várias instituições europeias e francesas. E houve um trabalho de investigação, onde, entre outras descobertas, se recuperou um estudo de Sonia para um painel de azulejos, para um asilo em Valença, que nunca seria feito.

Em Vila do Conde, o casal de exilados da guerra – Robert um pacifista convicto – recebe também o norte-americano Sam Halpert, que tem na parede do CAM The Red Tablecloth, claramente inspirado nos lenços minhotos que cativavam estes pintores estrangeiros. “A russa, o francês e o americano que os visitou deveriam parecer criaturas muito estranhas neste mundo tão fechado de então”.

O pacifista alemão

Em Linda-a-Pastora, Hein Senke vê nos anos 40 erguer-se, ao mesmo tempo que se rasgava a autoestrada, o estádio do Jamor, com arquitetura decalcada das obras celebratórias do fascismo alemão de Albert Speer. E durante o Estado Novo, a sua obra nunca seria ‘oficialmente’ reconhecida. Com 30 anos (em 1929), pacifista convicto, Senke exilara-se em Portugal, após ter recusado as medalhas de herói da I Guerra, e em fuga ao regime nazi. “Teve uma produção artística incrível e muito esquecida”, defende Ana Vasconcelos, que lhe investigou a obra e vida longa (morreu com 96 anos). É sobre ele Um Alemão em Lisboa, exposição que teve como base uma grande doação da sua viúva.

Bloody Ireland

Willie Doherty conhece o terrorismo e a violência de perto e a sua obra é uma reflexão sobre isso. Doherty – duas vezes nomeado para o Turner Prize, um dos prémios de arte contemporânea mais importantes no Reino Unido – nasceu e cresceu em Derry. Tinha 12 anos quando polícias britânicos dispararam sobre manifestantes desarmados que defendiam a independência da Irlanda do Norte, episódio que ficou conhecido como Bloody Sunday.

Em Uma e Outra Vez, que reúne parte da produção em vídeo do artista, Doherty volta repetidamente à estrada que separa o norte e o sul, zona de conflitos, e a voz em off fala dos ‘desaparecidos’, do medo da detonação aleatória das bombas do IRA (o Exército de Libertação da Irlanda). “Uma reflexão sobre o terrorismo fazendo parte do quotidiano” – diz Doherty – “sobre a memória da violência”.

Isabel Carlos, diretora do CAM e curadora da exposição de Doherty (bem como de As Casas na Coleção do CAM), constata: “É uma coincidência infeliz, mas, no momento em que vivemos, estas exposições assumem uma grande atualidade. Nascem da interpretação e da recusa da violência. Do terrorismo, da guerra e dos refugiados”. 

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