Os polícias são fortes, não têm problemas. Esta é uma ideia errada que ainda perpassa no interior das forças de segurança e que faz com que muitos agentes da PSP e da GNR não peçam ajuda quando atravessam problemas graves como depressões, dívidas ou conflitos familiares, admitem psicólogos e profissionais ouvidos pelo SOL. Como têm acesso a armas, alguns põem termo à vida sem nunca terem dado sinais de alerta ou recebido apoio psicológico.
O ano de 2015 está a ser um dos piores de que há memória: 15 suicídios registados – sete na GNR e oito na PSP – quatro dos quais no espaço de uma semana, no início de novembro. Uma estatística dramática que corresponde ao dobro dos suicídios do ano passado e da média registada desde 2000.
Nos últimos 16 anos contabilizaram-se mais de 120 mortes deste tipo, segundo contas feitas pelo SOL. E até agora, 2008 tinha sido o pior, também com 15 suicidios.
Este ano, um dos últimos suicídios na PSP foi cometido por uma mulher de 39 anos num parque de estacionamento junto à esquadra onde trabalhava na Maia. Na GNR foi um militar de 26 anos que se matou no dia em que regressou de baixa psiquiátrica.
A situação de alarme levou o Ministério da Administração Interna (MAI) a sentar à mesma mesa as estruturas de comando da PSP e da GNR, as associações sindicais e os especialistas em saúde mental. O grupo de trabalho que foi criado na semana passada com a missão de rever o plano de prevenção do suicídio, já em vigor desde 2007, volta a reunir-se hoje e deverá receber já alguns contributos das estruturas de comando das forças de segurança.
«A avaliação feita na primeira reunião já veio demonstrar que muitas medidas preconizadas nesse plano não passaram do papel», admitiu ao SOL fonte desse grupo de trabalho. Medidas como o reforço dos meios de diagnóstico psicológico já constavam no documento de prevenção do suicídio – feito em 2007 com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Suicidologia –, bem como na estratégia de prevenção do suicídio feita pela Direção-geral da Saúde para vigorar entre 2013 e 2017 e que contém um capítulo específico sobre as forças de segurança. Isto porque os polícias são um grupo de risco com taxas de suicídio superiores às da população em geral (ver caixa).
Também os sindicatos das forças policiais consideram que muito do previsto não chegou a ser feito. Por isso, para apurar a origem do aumento dos suicídios deste ano, acordaram já em lançar um inquérito nacional a todos os elementos das forças de segurança.
Ir a consulta de psicologia ainda é um estigma
O tenente coronel Ilídio Canas, chefe do gabinete de psicologia da GNR, não encontra explicações para o número elevado de mortes deste ano. O perito reconhece que a especificidade do trabalho policial pode ter influência no «cocktail» de fatores que contribuem para o suicídio. Os polícias sofrem um enorme stress profissional, lidam com situações de violência e tensão, trabalham por turnos e muitas vezes longe de casa, lembra. «Mas este ano temos as mesmas condições do ano anterior, em que só tivemos um suicídio», diz. Uma análise superficial aos casos de 2015 leva a crer que a maioria estejam relacionados com problemas pessoais, adianta Ilídio Canas.
O psicólogo considera que mais importante do que fazer rastreios aos profissionais, para prevenir o suicídio é preciso acabar com o estigma. «Temos de apostar na sensibilização e formação para que os militares que não estão bem procurem ajuda», diz, admitindo que uma consulta de psicologia ainda é um «estigma».
César Nogueira, da Associação dos Profissionais da Guarda (APG), acrescenta que por norma os militares não expõem aos superiores os seus problemas, sejam financeiras, conjugais, parentais, ligados ao jogo, álcool ou droga. «O agente policial não gosta de demonstrar o que se passa na vida pessoal e tem vergonha de pedir ajuda», diz ao SOL. O facto de as polícias se organizarem em estruturas rígidas, hierarquizadas, também não facilita a sensibilidade para as questões pessoais, garante: «Sentem-se marginalizados pelas chefias e colegas».
Mas para a APG os cortes orçamentais também contribuíram para a degradação dos cuidados de saúde nos últimos anos. «Há sete psicólogos para 23 mil militares. Toda a medicina preventiva foi afetada», denuncia o dirigente sindical da Guarda.
Ilídio Canas reconhece que há menos técnicos, mas defende que a solução não passa por colocar um psicólogo em cada comando territorial pois a proximidade nem sempre ajuda a abordar os problemas pessoais. «Optei por uma estrutura de emergência», afirma. Ou seja, psicólogos e psiquiatras disponíveis para irem para o terreno e que são apoiados, na retaguarda, por técnicos nos centros clínicos. «O rastreio é feito também junto dos militares que vão a concurso», acrescenta. A_GNR tem ainda uma linha de emergência onde chegam em média 20 chamadas por mês: «Quando fazemos ações de sensibilização, o número de chamadas aumenta sempre».
Um estudo elaborado em 2007 por duas investigadoras da Universidade do Porto já sublinhava o suicídio com um fenómeno preocupante nas polícias portuguesas. Entre os inquiridos no estudo, 12% admitiam já ter pensado ou até mesmo tentado suicidar-se.
Retirar a arma aos agentes que se encontrem psicologicamente perturbados e com ideação suicida é uma das soluções defendidas em todos os planos, pois quase todos os polícias se matam com a arma de serviço. Mas esta opção levanta questões práticas. Por um lado, pode aumentar o estigma do militar que fica afastado. Por outro, ao deixar de ter funções operacionais, este perde também direito a vários subsídios e tem uma quebra no seu salário.