Há quem percorra um túnel ou uma conduta de ar, sujeito a uma descarga de 750 volts, só para pintar um comboio. A quantidade de grafíti nas carruagens da CP e também do Metro aumenta a olhos vistos. Só na área da grande Lisboa, a PSP registou em 2012 68 atos de vandalismo e identificou 140 suspeitos. Um cenário bem mais grave do que em 2011, ano em que a Policia investigou apenas sete suspeitos num total de 45 situações.
Na mira das autoridades estão «grupos de jovens delinquentes», com «necessidade de demarcar território». Mas não só. Fonte oficial da PSP adiantou ao SOL que este fenómeno está a crescer na proporção das «redes sociais» e tem outros protagonistas: «Existem diversos concursos entre graffiters europeus, que se deslocam de propósito ao nosso país. Depois, colocam as imagens no Youtube e assim ganham mais uma ‘estrela’.
E quanto mais inacessíveis são os locais, maior é a projeção internacional que ganham. Para estes artistas, não há locais proibidos. Muitos não hesitam em «danificar portas das saídas de emergência» durante as intrusões no Metro. Outros saltam para a linha quando as composições estão paradas nas estações.
O problema, sublinha a PSP, é «grande impunidade» dos infratores em grande medida por causa das molduras reduzidas dos crimes que cometem, em especial o de dano – que depende de queixa e é punido com pena até três anos de prisão. «Segundo o entendimento de algumas sentenças judiciais o grafítismo é uma arte, sendo os arguidos frequentemente absolvidos». Até hoje só é conhecida uma condenação de quatro jovens que, em 2011, entraram numa estação do Metro para dar rédea solta à criatividade: foram condenados a multas e penas de trabalho a favor da comunidade.
Isso mesmo já reconheceu a Procuradoria-geral Distrital de Lisboa – que criou um grupo de trabalho com a PSP e a CP para analisar a dimensão do problema nas linhas de Sintra e Cascais. Desde setembro de 2012 que procuradores destas duas comarcas reúnem com a Polícia e representantes da empresa com uma missão: analisar, um a um, os 32 inquéritos abertos nos últimos dois anos que tiveram origem em atos de vandalismo sobre os comboios daquelas linhas.
‘Escassez de condenações’
«Estamos a verificar o que é que permitiu, ou pelo contrário inviabilizou, o exercício da ação penal contra os participados», disse ao SOL a procuradora da República Elisabete Matos, admitindo que tem havido uma «escassez de acusações e condenações face ao número de casos denunciados». A solução, diz, passará por «aperfeiçoar o conteúdo das queixas e a própria intervenção do Ministério Público (MP) nos inquéritos».
Além do crime de dano, que pode ser qualificado (uma vez que estão em causa bens de valor elevado e de utilidade pública), os infratores arriscam penas por outras condutas proibidas por lei: a entrada em lugar vedado ao público (prisão até três meses) e, o mais grave, atentado à segurança de transporte (entre um a oito anos de prisão).
Atuam de cara tapada
Enquanto o Governo se prepara para criminalizar estas condutas, a CP faz contas aos prejuízos de um fenómeno que atinge a rede ferroviária em todo o país – em média, todos os dias é vandalizado um comboio.
O último balanço disponível mostra que, em 2011, a empresa pagou mais de 360 mil euros só para remover as pinturas. Mas os custos vão além disso. «Os grafítis estão conotados com atos de vandalismo e delinquência, gerando sentimentos de insegurança nos clientes», refere fonte oficial da CP, acrescentando: «Geram-se problemas de segurança, dado que algumas pinturas atingem espaços da maior importância para a operação ferroviária, caso das cabines de condução dos comboios».
Questionado pelo SOL, o Metro não revelou o valor dos prejuízos sofridos. Mas, segundo a PSP, esta empresa tem uma política muito mais intransigente: «Qualquer comboio com danos deste género é suprimido e posto fora de circulação, de forma a minorar o sentimento de insegurança nos passageiros». Para a Polícia, o desafio é outro. «As imagens de videovigilância não ajudam muito, porque geralmente os suspeitos atuam de cara tapada. Ou conseguimos chegar a tempo de fazer uma detenção em flagrante ou teremos um processo de investigação normal», sublinha fonte policial.
Este artigo foi originalmente publicado na edição impressa do SOL a 19/2/2013