Há que não esquecer, ainda, uma praia senegalesa, ou uma visita a Christiania, o bairro libertário em autogestão de Copenhaga (Dinamarca). Mas há também uma ida a um “castelo assombrado” ou a um colóquio de designers, ou até a um estaleiro de submarinos nucleares. E há também o mundo académico. Já esteve nas universidades da Árabia Saudita, da Palestina, de Israel ou do Irão.
Este turismo insólito tem um motivo apenas: explicar a matemática nos meios mais diversos. E foram estes os sítios mais insólitos que o matemático francês Cédric Villani visitou para falar do seu ofício, segundo escolha do próprio, feita por entrevista por email à Tabu.
Falar de Villani, porém, é muito mais do que falar da ciência (ou da arte, se preferirem) dos números. Medalha Fields em 2010 – que equivale a um Nobel, se o houvesse, da matemática – o francês passou a ser, antes de tudo, uma figura mediática. É raro neste ramo, mas o alcance pode ser medido pelo cognome que lhe cunharam a dada altura, o de ser ‘a Lady Gaga da matemática’. Como vê o próprio o epíteto? Com um riso, pois claro: “Quando me perguntaram por que eu tinha mais notoriedade que outros matemáticos que não são menos brilhantes, respondi que a minha originalidade a vestir parecia marcar as pessoas”.
E que originalidade… Os fatos coloridos, o corte de cabelo à século XIX e uma aranha à lapela fazem a diferença. Quando se lhe pergunta a razão da pregadeira com aracnídeo, ela deve estar ancorada nas profundezas da sua privacidade. “Não respondo a essa questão”. É lapidar.
Mas as vestimentas têm explicação. “Ainda era um estudante à procura da minha identidade”, explica. “Um dia – tinha 20 anos – vi um anúncio de uma loja de roupa antiga; disse a mim próprio que ia estudar a questão e que era necessário que eu encontrasse o meu look. Comprei algumas das roupas, fiz algumas experiências e acabei por encontrar o que pensava ser a minha identidade”. Até hoje manteve o registo.
Atualmente é diretor do prestigiado Instituto Henri Poincaré, em Paris. Aos 42 anos, parece somar as tarefas de administração às agruras do mediatismo. Na verdade, não são bem agruras. Esses holofotes mediáticos trazem-no ao mundo da divulgação da matemática, que é a área que mais o ocupa.
Além daqueles locais insólitos, Villani visita também os convencionais – salas de aula de vários níveis de ensino, centros de conferência… – e publica. Entre nós foi lançado recentemente Teorema Vivo, mas outros títulos reforçam bibliotecas em várias línguas.
A falta de encontro com as convenções completa-se com o gosto pela música. Villani tocou piano a um nível que não o equipara, digamos, a um Glenn Gould, mas “conseguia tocar algumas peças muito belas e isso era muito importante para mim”. A divulgação da sua ciência acompanha um gosto literário que o segue desde cedo. Lia, confessa, muitos romances, agora desviou os olhos para o ensaio e a história, mas ainda se detem na BD.
É aliás, autor dos textos de um álbum desenhado pelo consagrado Baudoin, Les Rêveurs Lunaires, que versa sobre quatro génios que mudaram o mundo – os físicos Werner Heisenberg e Leo Szilard, o matemático e lógico Alan Turing e o comandante da força aérea Hugh Dowding.
Este lado versátil não terá escapado a Paulo Branco, que o convidou para o júri da edição deste ano do Lisbon & Estoril Film Festival (LEFFEST), no início de novembro, um festival que cruza o cinema, a literatura, ou a música, com os convidados em contacto direto com o público. “Que festival fantástico!”, partilha. “Há mais de 20 anos que frequento salas de cinema. Foi muito bom sentar-me no lugar dos juris, e entre os encontros marcantes, estavam lá a Sabine Azéma, grande atriz francesa, e o Andrei Tarkovski, filho de um dos meus cineastas preferidos”.
Com toda esta azáfama, ainda lhe sobra tempo para as contas? Claro. E é-lhe mais difícil resolver um teorema complexo ou explicar a matemática num minuto, como já teve de fazer? “É muito difícil comparar as duas coisas”. Por um lado, continua, resolver um teorema, além de lidar com um problema complexo, é “uma luta que alguém faz consigo próprio em que se pergunta se estará à altura do combate”.
Por outro, “explicar matemática às pessoas é muito menos angustiante, se encontrarmos a empatia e a capacidade de fazer as boas perguntas”. Mas, quando não se chega a esse ponto… “Não há fórmula mágica para ensinar matemática”.