Gerard Piqué, central do Barcelona, não resistiu e publicou nas redes sociais vários smiles de gozo. As piadas multiplicavam-se. «Cheryshev, gostamos muito de ti», cantava um coro de vozes no estádio Ramón de Carranza, onde se jogou no início de novembro a 1.ª mão dos 16 avos da Taça do Rei. Estranho? Só o facto de ser o nome do avançado russo do Real Madrid, que aproveitou a oportunidade dada por Rafael Benítez (Ronaldo viu o jogo pela televisão) para colocar os merengues em vantagem aos três minutos de jogo.
O árbitro apita para o segundo tempo e trinta segundos depois Cheryshev é substituído. Benítez leva as mãos à cabeça. Não era caso para menos: o russo tinha um jogo de suspensão por cumprir da época passada, quando esteve emprestado ao Villarreal. Ninguém se lembrou, nem mesmo o jogador. Um lapso sancionado pela federação espanhola de futebol com a desclassificação da Taça, após queixa do Cádiz. De nada valeu a vitória do Real (3-1).
«Só ficámos a saber no intervalo, quando nos disseram, e fizemos a substituição para mostrar boa-fé», explicou no final da partida o técnico espanhol, que não é propriamente um novato nestas peripécias. Em 2001/2002 fez entrar quatro extracomunitários ao mesmo tempo na equipa do Valência que defrontou o Novelda, quando o limite era três. Acabou eliminado na secretaria.
Treze anos depois, aconteceu o mesmo no Real. O problema é que este é apenas o mais recente caso de uma série de incidentes que, desde julho, no início da temporada, tem feito soar o alarme no Santiago Bernabéu.
Um posto médico a abarrotar e a birra de Ronaldo
Se a chegada de Benítez no verão para ocupar o lugar de Carlo Ancelotti nunca convenceu as hostes merengues, a saída de Iker Casillas, um dos maiores símbolos do Real Madrid, também será sempre uma espinha difícil de engolir.
Nem tanto pela saída, mas pela forma como o jogador foi tratado: um adeus sem glória numa conferência de imprensa onde o atual guarda-redes do FC Porto leu sozinho, perante um batalhão de jornalistas, uma carta de despedida. O episódio deixou Florentino Pérez, presidente do clube, mal na fotografia. Dias depois, decidiu fazer uma cerimónia, mas não conseguiu atenuar as críticas. Para piorar a situação, a contratação do sucessor, David De Gea, guardião do Manchester United, fracassou por um minuto: a documentação da transferência não foi enviada a tempo.
Seguiu-se o conflito entre Cristiano Ronaldo e Benítez num treino de pré-temporada, em plena digressão da equipa pelos Estados Unidos. O técnico espanhol anulou um golo num exercício de finalização ao internacional português, que partiu logo ao ataque. «É sempre tudo contra os portugueses», queixou-se Ronaldo – uma discussão que deixou a nu o ambiente crispado que se vive num balneário repleto de egos.
«Ninguém o suporta [Benítez], nem os que jogam, nem os que não jogam», descreveu recentemente o diário Marca. Karim Benzema, Sergio Ramos e James Rodríguez foram as últimas vítimas: três habituais titulares que depois de terem estado lesionados tiveram que suar bastante para recuperarem a confiança do treinador.
«Isto é para os que continuam a dizer que não estou bem», rematou James, em jeito de recado, após ter marcado o golo do empate da Colômbia frente ao Chile (1-1), no início de novembro. Mas o caso de Benzema até é pior, já que ganhou outros contornos quando foi detido para interrogatório por estar envolvido num esquema de chantagem sexual ao compatriota Mathieu Valbuena do Lyon.
O Real pouco conseguiu fazer para evitar o escândalo. Tal como também não evitou a humilhação caseira frente ao maior rival. Foram cilindrados pelo Barcelona (4-0) na 12.ª jornada da Liga espanhola e viram os próprios adeptos bater palmas a Neymar, Messi e companhia. Para os pupilos de Benítez sobraram apupos e lenços brancos.
Como se não bastasse, o plantel tem sido atacado por uma praga de lesões: 19 num total de 14 jogadores, sendo 13 delas musculares. Tem sido uma autêntica romaria ao gabinete clínico do Real Madrid. Que o digam Keylor Navas, Sergio Ramos, Varane, Pepe, Carvajal, Arbeloa, Marcelo, Danilo, James, Modric, Kovacic, Jesé, Benzema e Bale.
Ronaldo é dos poucos que tem escapado. O problema dele é outro. Não se sente feliz em Madrid (já o admitiu várias vezes) e não descarta a possibilidade de fazer as malas (Paris Saint-Germain e Manchester United estão atentos). Mas não é o único que está descontente. Nos últimos dois jogos, o Real esforçou-se por dar um pontapé na crise e até conseguiu duas goleadas, no último fim de semana frente ao Getafe (4-1) e esta terça-feira na Liga dos Campeões com o modesto Malmö (8-0), mas os adeptos não dão tréguas.
O Bernabéu insiste, por entre inúmeros assobios, em pedir a demissão de Benítez. O tempo parece contado.