Recorde-se que, no Verão de 2012 a referida SAD, na altura presidida por Godinho Lopes, contratou dois jogadores graças ao financiamento da Doyen Sports Investment: falamos de Zakaria Labyad, proveniente do PSV Eindhoven, e ainda de Marcos Rojo, proveniente do Spartak de Moscovo. Na altura, o site da Doyen, especificava que o fundo de investimento financiou 35% da aquisição de Labyad e 75% da aquisição de Rojo, esclarecendo que em relação a este último, cujo custo foi de 4 milhões, tendo a Doyen pago 3 milhões de euros. Trata-se portanto, da atividade em que um fundo de carácter financeiro, suporta uma percentagem na aquisição dos serviços desportivos de um determinado jogador de futebol, e como tal, tem o direito a receber uma soma calculada a partir de uma percentagem numa futura venda ou seja, o denominado, Third Party Ownership (TPO), cuja atividade foi proibida pelo Comité Executivo da FIFA, a partir de 01 de maio de 2015.
Marcos Rojo, recorde-se, foi um dos protagonistas do último campeonato do Mundo disputado no ano passado no no Brasil, tendo sido finalista com a seleção da Argentina, e em virtude do seu desempenho, a sua “cotação desportiva” disparou. Inicialmente, Rojo fez pressão para ser transferido, enquanto a SAD do Sporting (que entretanto passou a ser liderada por Bruno de Carvalho) preferiu mantê-lo ou transferi-lo, por um montante mais elevado, entrando em confronto direto com os interesses contratuais estabelecidos com a Doyen.
A 2 de agosto de 2014, a SAD rejeita uma oferta de um clube interessado na aquisição dos serviços do jogador, denunciando "ilegítimas pressões" da Doyen na conclusão do negócio. A 14 de agosto do mesmo ano, os leões anunciam a "rescisão com causa justa" dos contratos celebrados com a Doyen para a aquisição de Rojo (75% do passe) e de Labyad (35%). E a 19 de agosto, A SAD e o jogador, chegam a acordo com o Man. United por uma transferência no montante de 20 milhões de euros.
Nessa mesma altura, a SAD decide não entregar à Doyen a sua “quota de TPO”, acusando o fundo de investimento de ingerência, motivador de subsequente incumprimento contratual. Com esta decisão de rutura, o clube de Alvalade restituiu à Doyen apenas os três milhões de euros que o fundo tinha investido no jogador.
Agora, a sentença do Tribunal Arbitral de Desporto (TAS) de 21.12.2015, obriga o clube a acrescentar ao fundo, mais 12 milhões de euros (aos quais acrescem juros moratórios). O mesmo confirma o clube de Alvalade, num comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM).
Assentes os factos da controvérsia, ocupemo-nos das questões essenciais. Na verdade, muito se tem falado sobre a validade ou invalidade da atividade e funcionamento destes fundos de investimento, em vez de nos preocuparmos, com os fundamentos da sua origem e respetivo enquadramento do seu funcionamento e atuação.
Recorde-se que, a origem destes fundos, assenta num entendimento jurídico não totalmente esclarecido ou amadurecido, que consubstancia a possibilidade de uma determinada entidade empregadora desportiva, poder separar a todo o momento os direitos desportivos dos económicos de um jogador, e posteriormente, ceder total ou parcialmente estes últimos, numa eventual transferência desportiva futura. Confesso, ainda dispor algumas dúvidas nesta matéria.
Por outro lado, recorde-se que, as ligas profissionais de futebol de Portugal e Espanha apresentaram no início do presente ano, uma queixa na Comissão Europeia contra a decisão da FIFA de proibir os TPO.
A denúncia, com a qual concordo, argumenta que esta proibição, viola as regras da concorrência do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), além das liberdades fundamentais de estabelecimento, prestação e serviços, de trabalho e circulação de capitais. Nos termos da jurisprudência do Tribunal da União Europeia, as associações desportivas de direito privado, como é o caso da FIFA, são operadores económicos para efeitos da aplicação das regras de concorrência, e como tal, os seus acordos e normas internas deverão cumprir essas mesmas regras.
A proibição das «third party ownership», constitui no meu entendimento, um acordo económico que restringe a liberdade económica dos clubes, jogadores e terceiros sem qualquer justificação ou proporcionalidade e em vez, de aproximar a capacidade financeira dos clubes europeus, irá distanciá-los cada vez mais, prejudicando aqueles que possuem menos recursos económicos, tais como os portugueses.
Assim, esta restrição de livre-concorrência viola, salvo melhor opinião, o art. 101º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) sobre a proibição de acordos anti concorrenciais e o art. 102º do TFUE sobre o abuso de posição dominante da FIFA, assim como outras liberdades fundamentais da União Europeia.
Porém, uma coisa é reconhecer que, eventualmente, os fundos de investimento deveriam ser regulados em vez de proibidos, outra coisa diferente, é admitir que estes, ainda que através de cláusula contratual no âmbito da sua ampla liberdade contratual, possam impor aos seus parceiros negociais (Clubes ou SADs), severas ou desproporcionadas compensações financeiras, caso optem no âmbito da legitima discricionariedade da sua gestão, por não realizarem um determinado negócio (transferência de um jogador) num determinado momento. Tais cláusulas, por serem, abusivas lesam a boa fé contratual, causando um grave desequilíbrio nos direitos e obrigações das partes em prejuízo do elo mais fraco e parece que algum clausulado deste tipo, constam no contrato celebrado entre a Doyen e a Sporting SAD.
No fundo, os TPO deverão atuar como um “credor estratégico” essencial, cujo objetivo primordial será, obviamente, a rentabilização do seu investimento, mas isso não significa porém, que se aceite que possam imiscuir ou condicionar a gestão do “devedor” cuja atividade necessariamente dependem. Daí a minha defesa na regulação do seu funcionamento em detrimento da sua proibição.
O Caso da Doyen com a Sporting SAD ainda que não publicada no site oficial do TAS, foi necessariamente resolvida pela prova produzida em sede de audiência de julgamento, sendo certo que a mesma, ainda é passível de recurso de anulação para o Tribunal Federal Suíço (TFS) no prazo de 30 dias, não tendo qualquer efeito suspensivo, excepto quando requerido pela parte.
Todavia, os fundamentos de recurso neste Tribunal são muito restritos e na grande maioria de índole formal ou processual, extraordinariamente complexos e de prova difícil, pelo que, a questão desportiva essencial, que era o fulcro do presente caso, será relegada para segundo plano, pois a mesma já foi julgada. A vida não se assegura fácil para Bruno de Carvalho e para a Sporting SAD nesta matéria, mas ainda não há trânsito em julgado da decisão.
Aguardemos pela disponibilização da referida decisão no site oficial do TAS e pelos ulteriores desenvolvimentos…
Docente de Direito desporto na Universidade Lusíada de Lisboa
Advogado da MGRA Soc. de Advogados RL