Quando chegou para a primeira consulta num serviço público, o médico não lhe disse bom dia nem desviou o olhar do computador.
Já num estabelecimento privado, a palavra cesariana saía mais vezes da boca da médica do que aquelas que perguntava como estava a correr a gravidez.
A este tratamento pouco personalizado, Michele Santiago juntou um trauma que criou depois de algum tempo internada num hospital devido a uma queda que deu em criança. Decidiu então pôr em prática a vontade guardada desde que, ainda antes de estar grávida de Alice, viu um documentário sobre partos em casa. «Percebi que era aquilo que eu queria», resume a brasileira de 31 anos e que há quatro anos escolheu Portugal para viver.
A partir daí, para o dia D, acrescentou às consultas no hospital um acompanhamento feito por uma doula e duas enfermeiras. Pelo serviço, pagou 1.200 euros: 400 euros por cinco encontros com a doula, acompanhamento no parto e aulas de amamentação; e 800 euros à dupla de enfermeiras, num pacote que incluía três consultas, apoio no parto e no pós-parto e a realização do teste do pezinho.
O trabalho de parto começou no dia 28 de janeiro, mas só terminou no dia seguinte.«Foram 25 horas bem intensas», conta ao SOL, num tom de voz que ainda denuncia a lembrança das dores em crescendo. «Não vou mentir. Passou-me pela cabeça desistir e ir para o hospital, mas nunca o disse às enfermeiras porque aí sabia que me levariam a sério». Michele habituou-se desde cedo a selecionar aquilo que dizia aos profissionais de saúde. Tanto no SNS como nas consultas do privado, nunca falou da sua intenção de ter o bebé em casa. «Por um lado não havia abertura a uma conversa mais pessoal, por outro tinha medo que me obrigassem a ir para o hospital», explica.
Poder de escolha
Para desmistificar este tipo de dúvidas sobre a legalidade do ato, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto reagiu oficialmente às declarações da Direção-Geral da Saúde lembrando, em primeiro lugar, que se está a falar de algo legal e que, por isso, não pode ser proibido.
A presidente da associação, Sara Duval, faz um paralelismo entre os partos e o que acontecia com o aborto. «Falamos de coisas legais mas às quais falta regulação». Como regras a serem discutidas, a responsável sugere a definição de critérios para que o caso seja encaminhado para o hospital, assim como a obrigatoriedade da presença de mais que uma parteira e que estas atendam num raio mais limitado.
Apesar de preferirem manter uma posição neutra enquanto associação, Sara critica este «apontar de dedo» aos partos em casa, «quando existem problemas gravíssimos a acontecer nos hospitais». Como exemplo, refere os dados sobre o número de intervenções – epidural, indução e aceleração do trabalho de parto – que em Portugal chegam a percentagens de 60 e 70%, quando as recomendações da Organização Mundial de Saúde sugere os 15% como limite.
Por ter idealizado um parto sem drogas nem cirurgias, Michele olha para o episódio com uma distância de dez meses sem mostrar arrependimento. Considera até que «a próxima vez vai ser ainda melhor».