Lembram-se de Joaquim Agostinho?

A 10 de maio de 1984 – há mais de 30 anos, portanto – morreu Joaquim Agostinho, figura ímpar do ciclismo português. A história é mais do que conhecida, mas importa recordar alguns pormenores.

Dez dias antes, o ciclista fizera uma fratura craniana na sequência de uma queda, quase a chegar à meta de uma etapa da Volta ao Algarve, quando um cão se atravessou no caminho. Ainda acabou a prova, com a ajuda de colegas de equipa, mas as fortes dores de cabeça levaram-no ao Hospital de Loulé. O estado clínico agravou-se e, como não havia serviço de neurocirurgia no Algarve, foi levado já em coma para Lisboa, de ambulância (não havia helicóptero nem sequer A2). Ainda foi operado no hospital da CUF, sem sucesso.

Nesta terça-feira, 22 de dezembro, o responsável da Administração Regional de Saúde de Lisboa, Luís Cunha Ribeiro, que é médico, ladeado pelos gestores dos agrupamentos de hospitais do Santa Maria e do S. José, anunciou a demissão em bloco, na sequência da morte por falta de assistência de David Duarte, de 29 anos, como se conta nestas páginas. “Nos últimos anos, por cortes que tivemos na área da Saúde, estes hospitais não tiveram a possibilidade de ter recursos humanos para dar resposta a situações de doentes como este”, justificou Cunha Ribeiro. Um dia depois, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, reconheceu que o caso é “incompreensível” e que há um problema “de organização de meios”, mas sempre foi dizendo que os cortes na Saúde “nalguns casos foram longe demais”.

Desculpem: querem mesmo convencer-nos de que os recursos humanos e financeiros, da Saúde e do país, são os mesmos do tempo de Joaquim Agostinho? Só falta dizer que esta morte foi por causa da troika e dos ministros das Finanças e da Saúde do anterior Governo. Sim, sabemos que houve cortes cegos, que muitas vezes o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os seus profissionais não são devidamente reconhecidos e que o trabalho especializado deve ser bem pago. Mas também sabemos que os recursos não são ilimitados. E que noutros setores, inclusive no Estado, ai de quem recuse integrar escalas de trabalho ao fim de semana. Na Saúde, então, há um fator decisivo: isso pode significar a vida ou a morte.

Mas Cunha Ribeiro e o ministro anunciaram também que, entretanto, operou-se um ‘milagre’: depois da divulgação desta morte, Lisboa vai já passar a ter equipas de neurocirurgia de prevenção ao fim de semana, o que “demonstra a vitalidade do SNS”, nas palavras do primeiro. Vitalidade? Ou antes uma questão de falta de competência na gestão de alguns setores do SNS? É que no Norte e Centro não existe esse problema.

paula.azevedo@sol.pt