Passos Coelho tem de acompanhar Portas

A decisão de Paulo Portas tornou inevitável a saída de Passos Coelho da liderança do PSD – se o ex-primeiro-ministro não tomar a iniciativa perderá uma grande parte do capital político conquistado nos últimos anos.

As coisas são como são: se o líder carismático do CDS tivesse continuado, a coligação de direita (mesmo que de um modo informal) poderia continuar a existir, uma parte do país compraria a ideia de que existiam dois governos – um legítimo, outro usurpador – e Passos e Portas seriam não apenas deputados mas políticos que enfrentavam António Costa olhos nos olhos. Como primus inter pares.

Não poderia durar muito tempo, mas admitia-se que, com a ajuda (improvável) do futuro Presidente da República e com a anunciada desconfiança dos parceiros europeus e dos aliados à esquerda, a fruta do novo poder cairia rapidamente de podre. O vento não parece estar inclinado a soprar nesse sentido e Paulo Portas, antes que se fizesse tarde, percebeu o que tinha a fazer.

O problema é de perceção. Presidentes ou primeiros-ministros, quando são dignos do cargo que ocupam, são sempre vistos à luz das funções que tiveram. Quem ocupa o Palácio de Belém ou o de São Bento não pode (sem um fortíssimo pretexto) ser menos do que aquilo de que o país está à espera.

Alguém que tem o poder de decidir o destino de todos vive dos pequenos gestos, do que vai dizendo nas entrelinhas, dos lugares que distribui, dos problemas que resolve, da gestão dos seus próprios silêncios. Quem tem poder e o exerce é sempre uma personagem aos olhos dos seus concidadãos. As pessoas imaginam, constroem uma narrativa, os cultos de personalidade vivem dessa extraordinária dialética entre a realidade e várias ficções.

O problema é que Passos, se decidir ficar como deputado, perderá esse capital. Terá de discutir as pequenas coisas, de interpelar humildemente o presidente da Assembleia, de ouvir o que não deseja das outras bancadas, de fazer perguntas ao primeiro-ministro, de mostrar o quanto é de carne e osso, o quanto precisou de continuar como deputado para se manter à tona política.

Será um pouco como ver Eusébio acabar a sua carreira no Beira-Mar depois de tudo ter conquistado no mundo do futebol – e isto sem desprimor para os deputados, a mais nobre das funções.

Na política, os líderes devem saber retirar-se de cena para melhor poderem reentrar em cena. Se Passos Coelho sair parecerá que vai a reboque de Portas (é o que muitos lhe dirão), mas protegerá o seu futuro e regressará um dia para ganhar o que quiser ganhar.

Se ficar, as probabilidades de tal acontecer serão muitíssimo menores. Parecerá sempre um homem pequeno, que teve medo de se fazer à vida e receou esperar ou perder as benesses do poder partidário. Um verdadeiro líder tem sempre para onde ir, um lugar longe das vistas, silencioso quanto baste mas com um telefone por perto.

2016 será o ano de todos os paradoxos, palavra de que gosto muito. Ao contrário dos ortodoxos e dos heterodoxos. Porque os ortodoxos são avessos à diversidade do mundo. E os heterodoxos são azedos ao que é determinista e concreto. Os ortodoxos têm ideias feitas, os heterodoxos desfazem-nas. Os ortodoxos precisam de sonho. Os heterodoxos precisam de uma estabilidade mínima que seja. Os ortodoxos são arrogantes na relação com os que tudo relativizam. Os heterodoxos são arrogantes na relação com os que tudo absolutizam. Os ortodoxos protegem-se do futuro. Os heterodoxos protegem-se do passado.

Por tudo isto, sou dos paradoxos e escrevo sobre eles. Não me faltará trabalho. Um bom ano.

luis.osorio@sol.pt