Também a irmã Paula Carneiro, da Casa de Saúde da Idanha, vê na satisfação das expectativas dos pacientes uma das vertentes dos cuidados paliativos, quase tão importante como a intervenção farmacológica: «Toda a gente da unidade que promove estes desejos vê que depois o doente parte em paz e sereno, o que traz um sentimento de dever cumprido para todos, desde a auxiliar ao médico e enfermeiro».
Nestas duas unidades de cuidados paliativos de referência no país, os profissionais fazem o que está ao seu alcance para conseguirem chegar não só à doença, mas também à pessoa.
«Há pilares nos cuidados paliativos que são fundamentais, como o trabalho em equipa, a comunicação e uma boa gestão farmacológica. Os cuidados paliativos vieram humanizar um bocadinho a medicina e são fundamentais para nós, profissionais, prestarmos um bom serviço», explica Paula Carneiro. Da sua experiência, retirada de nove anos a trabalhar na unidade de cuidados paliativos da Casa da Saúde da Idanha – que tem neste momento 14 camas, todas ocupadas por doentes oriundos do Serviço Nacional de Saúde –, salienta a vertente comunicacional como uma das mais importantes. «Os próprios doentes dizem-nos que, quando são diagnosticados com doenças crónicas e terminais, os profissionais de saúde não sabem gerir isso muito bem em termos de comunicação».
E haver quem saiba falar com um paciente é fulcral para quem está numa fase de sofrimento: «Às vezes, os profissionais de saúde só tentam retardar os sintomas à base de uma intervenção técnica, o que não é mau. Mas depois a parte humana, do acolhimento e da aceitação da doença – que por vezes demora muito tempo – fica aquém. É neste processo que as equipas de paliativos são diferentes», considera Paula Carneiro.
Para conseguir chegar às pessoas, é necessária uma abordagem multidisciplinar, da qual faz parte a concretização dos seus últimos desejos. «Se as pessoas não conseguem concretizar expectativas, isto torna-se fonte de grande frustração, de tristeza e de sofrimento existencial. Algumas expectativas podem não ser viáveis, mas outras sim. E tentar realizá-las faz parte do processo de uma intervenção completa dos cuidados paliativos, não é só tratar os sintomas da doença» – explica Isabel Galriça Neto.
Experiências inesquecíveis
Neste capítulo, as duas profissionais têm muitas histórias para contar. Em Idanha, já houve «casamentos de casais com mais de 70 anos e visitas de figura públicas que os doentes tinham como referência», conta a irmã Paula. Mas há desejos muito simples: «Há pessoas que pedem para ir a casa despedir-se da família ou até da própria casa, comer gambas ou feijoadas ou somente ir ao jardim».
Também há casos que os profissionais de saúde não conseguem satisfazer, seja por falta de recursos ou de oportunidade. «Lembro-me de um senhor que nos pediu para ir ver as tartarugas que tínhamos no jardim. Não pudemos levá-lo porque estava a chover e ele faleceu nessa noite. Ficámos todos tristes, estas coisas também nos levam a aprender», recorda Paula Carneiro.
No Hospital da Luz, a lista de pedidos também é longa. «Um dos últimos casos foi uma doente com esclerose lateral amiotrófica e cancro que, três semanas antes de falecer, foi nadar na piscina do nosso hospital, com música, e descreveu essa experiência como ‘inolvidável’», conta Isabel Galriça Neto. Há ainda muitas visitas de jogadores de futebol e doentes a ir aos estádios, visitas de figuras públicas, casamentos e batizados.
«Há pacientes que pedem jantares românticos fora do contexto do quarto e outros que querem simplesmente ir a casa no Natal. Também me recordo de um jovem de 30 anos que tinha estudado na Suíça e para quem era muito importante voltar àquele país. Com a ajuda de vários parceiros, arranjámos maneira de concretizar a ida dele, na companhia de uma das nossas enfermeiras», recorda ainda Isabel Neto.
Outro dos desejos mais comuns prende-se com a música – já organizaram concertos com solistas dentro da unidade da Luz – e a visita de animais de estimação. «Temos tido sobretudo cães a visitar os seus donos. São sempre momentos muito emocionantes porque, de facto, as pessoas têm muitas vezes uma ligação fortíssima com os animais».
‘Para si, o que é a esperança?’
Independentemente das circunstâncias, ambas as profissionais não têm dúvidas da importância terapêutica de se cumprir o último desejo de um doente, pela «alegria imensa» que isso lhes traz.
Isabel Galriça Neto lembra que, quando se fala das expectativas dos doentes com prognósticos incuráveis, é importante transmitir uma certa mensagem, que está ligada ao conceito de esperança: «As pessoas acham muitas vezes que ir para os cuidados paliativos é tirar a esperança. E nós perguntamos: então o que é esperança para si? A esperança é uma expectativa de se atingir um objetivo e os objetivos é que podem variar. O que se faz nos paliativos é gerir as expectativas que as pessoas podem concretizar. A quem acha que só há uma esperança, que é a de não morrer, é preciso lembrar que isso é utópico: todos morremos».