Lembro-me na altura de ouvir os cabo-verdianos dizerem ser europeus, e como tal se sentirem. Não de criticarem os africanos. Embora se depreendesse uma crítica ao seu Continente, e uma pretendida cumplicidade com a Europa.
Tinham coisas simpáticas: gostavam de se assumir como ‘pretos’ e não ‘negros’, começando a pensar que a distinção nascia logo aí. Depois, achavam que tinham varrido completamente o racismo, com a mestiçagem em que se sentiam confortáveis.
Claro que conhecendo vários cabo-verdianos do tempo da Faculdade, me aconteceu dar-medemasiado com as elites. Mas surpreendi-me com outros, designadamente os engraxadores que discutiam literatura e filosofia.
Cabo Verde é de facto um País extraordinário. Nem na Europa conheci uma única região de gente tão culta e ávida de leituras (o que os portugueses, pensando nas comunidades cabo-verdianas cá existentes, têm dificuldade em acreditar). Parece que não tendo trabalho, devido a secas prolongadíssimas que não lhes permitiram passar pelo estádio agrícola, lhes dá para aproveitarem os candeeiros públicos, e lerem até pela noite fora. Recorrem a bibliotecas ou a qualquer livro que se lhes apresente a jeito. Por isso têm aquela enorme taxa de escritores por habitante. Enfim, quem nos dera a nós, europeus, sermos como eles pensam que somos; ou sermos pelo menos como eles.