O fim triste de Cavaco

Quando Cavaco Silva acabou a sua mensagem de Ano Novo, eu já estava com pena que fosse a última. 

Somos agora governados por partidos que acreditam que Portugal é o Estado e o Estado é o país. Acreditam que, sangrando a classe média e alta com impostos, conseguem sustentar os aumentos de funcionários públicos, os direitos adquiridos dos pensionistas e fazer transferências sociais para os mais pobres. 

Dão-se até ao luxo de afugentar investidores estrangeiros, como se vê na ameaça de reverter as privatizações dos transportes públicos, ou na circunstância de defraudar os investidores seniores do BES. Sonham com um Portugal socialista orgulhosamente sozinho, sustentado com os impostos da classe média.

Que disse Cavaco Silva? Disse uma coisa simples: admitiu que o Estado atrapalha. Falou das pessoas, dos empresários, dos investigadores, dos portugueses que trabalham mas não querem que o Estado, as autoridades públicas, criem entraves. Deu voz às pessoas que acham que o Estado é um empecilho. 

O Estado que nos estraga a vida é o fisco que nos cobra o IUC (imposto automóvel) vezes sem conta ou que nos bloqueia a conta bancária quando não pagamos o IMI. Aquele Estado que põe o fisco a fazer de cobrador do fraque para cobrar portagens concessionadas por empresas privadas. 

Ou aquele Estado que falha clamorosamente por não conseguir que os hospitais se organizem minimamente para evitar que gente morra apenas por ser fim-de-semana. 

Ou autoridades públicas, como a EMEL, que nos rebocam o carro se caímos na asneira de fugir de parquímetros ou parques de estacionamento. Aquele Estado que falha por estar minado pela corrupção e refém de poderosos sindicatos.

Quem tem casa, carro, e trabalha, quem paga IMI e IUC, quem paga segurança social, quem paga taxas moderadoras nos hospitais, quem paga os reboques da EMEL, quem paga mas não vai ter reforma alguma, quem espera anos por uma sentença de um tribunal, quem desespera por um ato administrativo de uma administração pública lenta e às vezes corrupta – e que não recebe ajudas nenhumas porque não é considerado pobre –, meus amigos, quem tem essa vida, não acha graça nenhuma ao Estado que tem. 

Quem paga já percebeu este facto simples: temos um fisco e uma segurança social de primeiro mundo, a funcionar com a precisão de um relógio suíço, mas salários baixos para tantas obrigações de mundo civilizado. Pagamos como se fossemos suíços, mas ganhamos como portugueses. 

Portugal está dividido em dois: uma parte que paga, outra parte que recebe. A metade que paga quer pagar menos; a metade que recebe quer receber mais. 

O Estado é um pesadelo logístico para alguns milhões de portugueses. Convinha que houvesse pelo menos um candidato presidencial que o dissesse. Até agora, dos dez candidatos à função, não ouvi nenhum dizer esta verdade tão simples.

Mal Cavaco Silva acabou de falar, pensei: que coisa tão triste este homem ir-se embora

sofiavrocha@sol.pt