No dia em que arrancou o Open da Austrália – o primeiro Grand Slam da temporada – a referida investigação revela que há vencedores dos principais torneios de ténis do mundo envolvidos neste escândalo.
Na última década, 16 jogadores qualificados entre os 50 melhores do mundo do ranking ATP foram indiciados como eventuais suspeitos, pela manipulação de resultados.
Todos os jogadores – cujo grupo se inclui vencedores de vários Grand Slams – foram investigados em jogos em que atuaram quer de forma individual, quer através de pares.
A investigação da BBC e do BuzzFeed é baseada numa análise documentos obtidos a partir de fontes oficiais, bem como numa análise específica resultante do número de apostas realizadas em mais de 26 mil partidas e de entrevistas feitas em três continentes com especialistas em apostas online, dirigentes e jogadores.
Apesar de se desconhecer na totalidade, o âmbito da investigação, foram revelados alguns pontos essenciais, a saber:
— Jogadores campeões em singles e pares estão no grupo de 16 jogadores que, repetidamente perderam jogos quando apostas altamente suspeitas contra si foram efetuadas;
– Um jogador do top 50 que, está a competir na edição 2016 do Australian Open é suspeito de, repetidamente, manipular o resultado do primeiro set de seus jogos;
– Diversos jogadores eram procurados nos torneios do Grand Slam no interior dos seus quartos, e recebiam ofertas de 50 mil dólares ou mais, para manipularem os resultados dos seus jogos;
– Constataram-se apostas na Rússia e em Itália em montantes que rondam os milhares de libras em resultados desportivos inesperados – incluindo nos torneios de Wimbledon e Roland Garros;
– Verificam-se nomes de mais de 70 jogadores, que aparecem em nove listas de suspeitos de manipulação de resultados, que foram investigados pelas autoridades do ténis na última década sem serem sancionados.
De acordo com a investigação, a TIU (Tennis Integrity Unit) que constitui uma entidade independente criada em 2008 pelas principais associações de ténis, inclusive a ATP, responsável pelo garante da Integridade da modalidade, passou a investigar mais aprofundadamente a relação entre a manipulação de resultados no jogo e as apostas on line a partir de 2007, após uma partida suspeita entre o russo Nikolay Davydenko, ex-top 10, e o argentino Martin Vassallo Arguello, ex-número 47, de que não resultou quaisquer consequências para nenhum dos jogadores.
Como se sabe, a TIU tem uma política de tolerância zero no que diz respeito a casos de corrupção desportiva ou de manipulação de resultados.
Aquilo que a referida investigação despoletou, denominado de match-fixing é um autêntico flagelo do Desporto mundial, que tem e deve ser combatido por todos os Governos europeus sem exceção, sob o auxílio e égide orientadora de uma política de combate estabelecida pelos principais órgãos comunitários.
Recorde-se que, em Setembro de 2013, a Europol desmantelou uma rede que viciou 680 jogos entre 2008 e 2011 (380 na Europa e 300 em África, Ásia e América Central e do Sul), tendo na altura sido identificados 425 oficiais em 15 países (árbitros, dirigentes, membros das organizações futebolísticas), jogadores e outros suspeitos. Ao todo, 50 pessoas acabaram detidas e entre os jogos manipulados, estavam até encontros da Liga dos Campeões, Liga Europa e qualificações para o Mundial e Europeu.
Os denominados “jogos combinados” são tão antigos quanto o desporto em si e a diferença que existe nos dias de hoje, é a explosão das apostas online e a rentabilidade incontrolada deste negócio.
Os dados e a investigação agora apresentados quanto ao ténis, mostram que o match-fixing é um problema global e que nenhuma competição ou modalidade está a salvo. Seja no ténis, no andebol, no basquetebol, ou em particular no futebol português, seja noutros campeonatos europeus milionários como o inglês, espanhol, alemão ou o italiano, a verdade é que, o match-fixing continua e teimará em existir.
Como se sabe, o match-fixing encontra terreno fértil, em campeonatos ou modalidades onde exista, por norma, incumprimentos salariais e esta é, a principal causa para o sucesso deste tipo de fenómenos subversivos do Desporto. Na principal Liga portuguesa de futebol, muitos jogadores ganham pouco mais que três salários mínimos, ou seja, 1.590 € por mês (ex vi o disposto no art. 32º do CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol) na falta de um ou mais ordenados, abre-se uma janela propícia para que, necessariamente, se procure outras fontes de rendimento e ocorram situações desta natureza.
Sendo certo que, por um lado, se temos que ser obrigatoriamente ativos relativamente à punição de quem compra resultados, por outro lado, temos que ser também particularmente exigentes, com quem não consegue cumprir com o pagamento dos salários e sobretudo, com quem não cumpre ou não faz cumprir com as sanções regulamentares previstas quanto ao reiterado incumprimento salarial das SADs.
Em Portugal, com a aprovação do Decreto-Lei nº 66/2015, de 29 de Abril, aprovou-se o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, visando a proteção dos menores, bem como de outros grupos vulneráveis e de risco, privilegiando o aspeto lúdico da atividade dos jogos e apostas e não menosprezando os não jogadores, não apelando a aspetos que se prendam com a obtenção fácil de um ganho, não sugerindo sucesso, êxito social ou especiais aptidões por efeito do jogo, nem encorajando práticas excessivas de jogo ou aposta.
Nesta lei estão previstos os tipos de apostas mais comuns que os apostadores portugueses conhecem e estão mais habituados a fazer. Está garantida a liquidez internacional que permite que apostadores portugueses possam apostar contra apostadores de todo o mundo. E o princípio fiscal que isenta o apostador de taxas, incidindo-as nas próprias casas de apostas, através do imposto especial de jogo online, parece-nos também um ponto positivo da lei que aqui cumpre registar.
Porém, ainda há muito que fazer relativamente á prevenção deste tipo de flagelo, pois o match-fixing não se combate apenas com legislação.
Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa e Advogado na MGRA Soc. Advogados