Acabamos de falar com Francisco Velasco e, da conversa de mais de uma hora dividida em várias partes, fica-nos facilmente definida a imagem de Vaz Guedes, graças a uma frase surpreendente. «Ao longo da sua carreira não sofreu nenhum castigo». Não era um artista, jogava como defesa, raramente falhava e tinha uma capacidade atlética invejável. Mas era no fairplay que se destacava.
Velasco fez parte do cinco base de hóquei em patins que dominou a modalidade na segunda era de ouro deste desporto – a fabulosa «geração dos moçambicanos», entre os anos 50 e 60 do século passado, Os moçambicanos só abriram vaga para a entrada de José Vaz Guedes, o metropolitano. O quinto elemento. O quinto dedo que encaixava na perfeição numa luva que dominou o hóquei.
A divisão entre os ultramarinos e os da metrópole (Lisboa) não era novidade naquela altura, mas deixar entrar um «desconhecido» numa equipa já rotinada só se fosse «alguém muito especial». Foi isso que aconteceu. Francisco Velasco, Fernando Adrião, Bouçós, Alberto Moreira receberam Vaz Guedes de braços abertos. «É um exemplo raro que também raros saberão seguir».
Mas para isso foi preciso alguma diplomacia de Velasco, até na altura de escolher o capitão. «Quando o Bragança saiu, fui chamado à Federação e deveria ser eu o capitão», conta Velasco, amigo-quase-irmão de Vaz Guedes. «Mas declinei porque sabia que seria bom para o currículo desportivo do Vaz Guedes, que era professor de educação física». Não foi uma decisão pacífica na equipa.
Quem devia ser capitão era o jogador mais velho e acabou por ser o mais novo (aqui Velasco solta uma gargalhada). «Quando voltei e anunciei a decisão os outros jogadores reclamaram e disseram que iam voltar para Moçambique», contou. Ficariam todos quando disse que a decisão tinha partido dele. E razão para a escolha de Vaz Guedes foi fácil: jogador experiente, com raça e como defesa «agarrava o inimigo». Estava encontrado – era um líder.
Nascido em Pego do Altar (Alcácer do Sal), a 13 de outubro de 1938, José Queirós Vaz Guedes agarrou a oportunidade e não largou os patins. Venceu sete Campeonatos da Europa e do Mundo, quatro Taças Latinas e dois Torneios de Montreux, entre outros títulos. Mas o destaque vai para o Mundial conquistado em Madrid, em casa do maior rival, a seleção da Espanha (no Estado Novo era o hóquei que dava as poucas alegrias, com as vitórias sobre os espanhóis e italianos). Foi a primeira vez que Portugal conseguia o feito e, claro, Vaz Guedes foi mais uma vez fundamental.