Se a forma de análise for a de comparação com outros países europeus, em Portugal os ensaios clínicos continuam a ser feitos de forma residual. No entanto, se olharmos apenas para a realidade nacional, é possível perceber uma evolução positiva, principalmente se for tido em conta o tipo de ensaio, com Portugal a apostar cada vez mais na Fase I, aquela que usa voluntários saudáveis e que, por isso, é considerada a mais arriscada.
Segundo dados enviados ao SOL pelo Infarmed, se em 2006 Portugal foi palco de apenas dois ensaios clínicos de Fase I, no ano passado foram feitos 15. Já os de Fase IV, os que se realizam já depois de o medicamento estar à venda, viram a situação inverter-se: em 2006 foram feitos 27, em Portugal, número que desceu para oito em 2015. Comum a todos os anos é a prevalência dos testes de Fase III, que em 2006 correspondiam a 68% do total, valor próximo ao registado no ano passado (65%).
Não há registo de mortes
Ainda segundo informação revelada ao SOL pelo Infarmed, é possível contabilizar 361 ensaios clínicos a decorrer em Portugal, com «um número previsto de participantes de cerca de 11.943». Do total, 137 tiveram início no ano passado, estando os outros a decorrer há mais tempo. Destes ensaios clínicos ativos, 14 são de Fase I e preveem a participação de 300 participantes.
Era exatamente nesta fase de ensaio clínico que participavam os seis voluntários hospitalizados na semana passada em França. Uma das pessoas acabou por morrer depois de ter recebido uma das doses mais elevadas da molécula produzida pela Bial e que estava a ser testada em França pelo laboratório Biotrial.
Apesar da morte de um dos participantes e internamento de outros cinco – quatro deles ainda permanecem hospitalizados –, a ministra da Saúde francesa, Marisol Touraine, considerou não haver razões para parar com os ensaios clínicos no país, tendo apenas dado ordem para o fim do ensaio em questão.
Em Portugal, não há registos de casos de morte associadas a reações adversas durante a Fase I dos ensaios clínicos, lembra o Infarmed. A Autoridade Nacional do Medicamento refere o seu papel ativo na «monitorização da segurança da utilização experimental de medicamentos, de forma a permitir a avaliação permanente da relação benefício-risco», podendo levar a uma posterior suspensão ou revogação da autorização dada inicialmente. O Infarmed apoia-se em relatórios anuais de segurança e nas notificações de suspeitas de reações adversas notificadas pelos promotores dos ensaios para assegurar essa vigilância.
Fonte de rendimentos noutros países
Nos Estados Unidos, é comum ver anúncios para recrutamento de voluntários e há até quem faça dessa prática uma fonte de rendimento. Já em Portugal, à semelhança do que acontece no resto da Europa, os ensaios clínicos são voluntários, não estando previsto um pagamento pelo serviço prestado.
A Comissão para a Investigação Clínica Nacional (CEIC), já deliberou sobre o assunto e refere que os voluntários, «ao assumirem riscos e aceitarem incómodos, exercitam, quantas vezes no patamar do altruísmo, o seu dever de cidadania». A autoridade nacional que regula a segurança dos ensaios admite que esta é uma temática que dá direito a discussão – de um lado está quem acha que o altruísmo é suficiente e do outro quem vê os participantes como trabalhadores que devem ser remunerados. Por isso, a CEIC aprovou em 2011 um documento que define as regras sobre o pagamento deste tipo de serviço.
Assim, espera-se que o ganho do participante seja «inerente ao exercício da sua cidadania» – pode ler-se no documento publicado no site da comissão. Está previsto, no entanto, o pagamento de despesas ou perdas económicas que os voluntários registem pelos dias em que participam nos ensaios (como, por exemplo, as despesas com transporte, alimentação, taxas moderadoras, exames médicos, babysitting ou perdas salariais).
Apesar das regras que impedem a remuneração dos participantes em ensaios clínicos, a CEIC prevê uma exceção nos casos de voluntários da Fase I. Estas são situações que têm que passar pela análise e aprovação da comissão, que estabeleceu as regras para que «a possibilidade de concretizar estes pagamentos extravase o estrito âmbito de um incentivo financeiro». Deste modo, além de garantida a compensação de eventuais prejuízos, prevê-se a possibilidade de um pagamento extra a voluntários saudáveis, cujo valor não pode ultrapassar o equivalente a dois salários mínimos e não deve ser proporcional ao risco.