Em algumas situações, a justificação é a de que as faturas foram apresentadas pelas vítimas fora de horas, noutras porque, apesar de o tratamento ter sido aprovado oficialmente, “não se enquadra na tabela da ADSE”. Nas recusas de pagamento enviadas a várias unidades de saúde, os serviços daquela Polícia concluem: “Por [não estar enquadrado] a PSP não é responsável por tais pagamentos”.
Hospital teve luz verde e PSP voltou atrás
Uma dessas recusas chegou no final do ano passado ao hospital da CUF Descobertas e apanhou os serviços da unidade de surpresa. A mesma diretora do gabinete de Deontologia e Disciplina da PSP, Fernanda Portinha, que meses antes tinha assinado a declaração de responsabilidade das despesas, era a mesma que estava agora a comunicar que, afinal, a PSP não iria assumir os custos.
Fonte ligada a este processo, que preferiu não ser identificada, explicou ao SOL que o hospital realizou a operação por ter a garantia inicial de que a PSP assumiria os custos orçamentados.
Na declaração de responsabilidade, datada de fevereiro de 2015, pode ler-se: “Junto declaração de responsabilidade solicitada, bem como cópia do respetivo cabimento/comprosmisso, pelo qual o Estado/PSP assume o pagamento das despesas resultantes dos encargos com tratamentos”. A comunicação era ainda acompanhada de uma declaração do gabinete de assuntos jurídicos em que se referia o valor do tratamento, bem como o hospital em que tal tratamento iria ser feito: a CUF Descobertas.
Quando chegou a vez de pagar, a PSP concluiu, porém, que o tratamento em causa estava fora da tabela da ADSE, pelo que não poderia pagar.
O SOL contactou o agente da PSP visado, que preferiu não fazer comentários. Outras unidades saúde confirmaram ter conhecimento da existência de processos idênticos em que a PSP recusa fazer o pagamento de despesas que já tinha assumido.
Processos no Tribunal Administrativo
António Tavares (nome fictício) já perdeu a paciência e decidiu avançar para o Tribunal Administrativo. Tem a receber o equivalente a mais de um vencimento mensal, mas a PSP diz que entregou as despesas fora do prazo, ou seja, seis meses depois do episódio de tratamento.
“Nunca nos foi referido que havia prazo para entrega das faturas e no meu caso a fisioterapia ainda não tinha chegado ao fim, pelo que ia guardando os recibos dos tratamentos para apresentar no final”, explica ao SOL. No seu caso, viu ainda as despesas do início do tratamento serem pagas. “Já dei ordens ao advogado para recorrer ao Tribunal Administrativo e o processo já terá dado entrada”, assegura.
Os incumprimentos têm estado a ser denunciados por vários oficiais e agentes.
É o caso do agente José Figueiredo, que em 2013 sofreu uma lesão com alguma gravidade durante uma intervenção policial: depois de uma primeira cirurgia, o seu quadro clínico obrigou a uma segunda operação. Ambas as intervenções realizaram-se num hospital público da zona centro do país e, no final, a PSP também terá informado que não poderia pagar as custas das intervenções – consideradas consequências de um acidente de trabalho. Neste caso, porém, o valor acabou por ser cobrado à Polícia. Aquilo que o agente Figueiredo ainda não conseguiu que lhe fosse devolvido é o valor que pagou pelas sessões de fisioterapia que teve de fazer depois das cirurgias.
“Nunca me foi arranjada uma clínica para fazer estes tratamentos e por isso tive de ser eu a procurar uma. Cheguei a entregar no início algumas faturas dos tratamentos que ia fazendo, mas foi-me dito que deveria entregá-las todas no final”, garantiu ao SOL.
O problema chegou no ano passado, quando entregou as faturas acumuladas: “Nessa altura, disseram-me que estava a entregar as faturas de forma extemporânea, adiantando que tinha um prazo de seis meses para o fazer. Nunca me tinham dito aquilo antes e até empurraram a entrega para o fim do tratamento”.
Este caso ainda não chegou ao Tribunal Administrativo, mas houve já um recurso para o presidente do Serviço de Apoio na Doença (SAD) da PSP e outro para a Direção Nacional.
Estes casos não surpreendem Paulo Santos, vice-presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP): “Todos estes atrasos e burocracias correspondem ao que está a acontecer nos comandos do Porto, Lisboa e até no Algarve”. Paulo Santos revela ainda ter conhecimento de um elemento da PSP_que esteve dois anos à espera de autorização para que pudesse ser operado. “E os atrasos estendem-se às autorizações para fisioterapia. Demoram um mês a chegar e só incluem 15 sessões de tratamento, ou seja, se no final destas forem precisas mais sessões o doente vai ter de parar um mês à espera de nova autorização. Entretanto já perdeu a recuperação das primeiras sessões”, disse, confirmando que o gabinete jurídico da ASPP está já a acompanhar alguns destes casos. O Ministério da Administração Interna já terá mesmo sido informado destes problemas.
PSP diz que não paga apenas em processos irregulares
Confrontada pelo SOL com estas recusas de pagamento, fonte oficial da PSP referiu: “Quando se diz que o tratamento não se enquadra na tabela da ADSE, o mesmo não se enquadra nas do SAD/PSP, nem nas das da ADSE”. E adiantou: “Alguns dos documentos apresentados pelos beneficiários têm sido recusados, dado que foram apresentados para além do prazo legalmente estabelecido, o que é igualmente aplicável aos prestadores de cuidados médicos”.
Outra das justificações apresentadas pela PSP é o facto de algumas faturas não estarem de acordo com as regras – como, por exemplo, algumas prescrições não identificarem o médico responsável ou a letra das mesmas não ser legível. Por fim, esclarece aquela Polícia, “em alguns casos o pagamento não é feito ao beneficiário” porque este “decidiu ser sujeito a ato médico ou tratamento que estava sujeito a autorização prévia”.
Essas irregularidades, porém, segundo o SOL apurou, não se terão verificado em vários dos processos em que o pagamento está a ser recusado, como é o caso do tratamento que foi feito no Hospital da CUF Descobertas no ano passado.