Entre os sete que avançaram para tribunal, o SOL descobriu algumas situações caricatas: uma delas é o relatório da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) falar de uma equivalência que nunca aconteceu e outra é a anulação das disciplinas práticas de um aluno que tinha a mesma formação que os professores da Lusófona que o iriam avaliar.
Até hoje, só um dos sete ‘ex-licenciados’ que recorreram para os tribunais é que conheceu a sentença: “Decreta-se a suspensão da eficácia da decisão”, ou seja, devolva-se a licenciatura.
A licenciada em Matemática que queria ser TOC
Ana Ferreira licenciou-se em 2002 em Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas alguns anos depois decidiu tornar-se Técnica Oficial de Contas, necessitando para isso de um novo curso. A sua entrada na Universidade Lusófona acontece em 2009 e foi logo nessa altura que enviou o plano do seu primeiro curso para saber se teria direito a alguma equivalência.
Ainda no mesmo ano a Lusófona atribuiu-lhe equivalências a oito cadeiras: a Matemática I (porque já tinha feito Álgebra Linear e Geometria Analítica), a Matemática II (pelo seu aproveitamento nas cadeiras do primeiro curso de Análise Infinitesimal II e III), a Estatística I (por ter já feito na universidade pública a cadeira de Probabilidade) e a Estatística II (por ter concluído a cadeira de Análise Preliminar de Dados Estatísticos). Além destas, as outras quatro equivalências foram dadas às cadeiras optativas do curso da Lusófona – não tendo de haver uma correspondência direta entre a cadeira feita e uma em concreto, uma vez que a que se pretendia não estava definida no plano de curso com rigidez (por ser opcional, cabia ao aluno escolher).
Equivalências chumbadas apesar dos diplomas
António Figueira é outro destes casos. Segundo documentação a que o SOL teve acesso, ficou sem a sua licenciatura por ter tido equivalência às cadeiras práticas de Equitação e Desbaste do curso de Ciências Equinas. Um detalhe: O aluno era instrutor de equitação da Escola Nacional de Equitação e tinha o grau III de certificação de equitação, o mesmo que o dos professores da Lusófona daquelas disciplinas. Prova disso é o facto de a frequência das cadeiras a que foram dadas equivalências conceder apenas o grau II.
Apesar dos vários diplomas entregues – alguns da GNR – e documentos comprovando a sua experiência, a Inspeção Geral de Educação e Ciência considerou ter encontrado problemas administrativos que tornavam impossível perceber se as equivalências faziam ou não sentido. O SOL apurou que este ex-aluno foi um dos que recorreram para tribunal.
Já Judite Guimarães perdeu a licenciatura porque pediu uma equivalência. Quando era aluna, questionou a Lusófona sobre se a sua formação de solicitadora – feita na Câmara dos Solicitadores – poderia dar equivalência à cadeira de Registos e Notariado, alegando que há vários anos trabalhava nesta área. Recebeu parecer positivo dos responsáveis e avançou.
Estes são apenas três dos casos de pessoas que hoje dizem ainda não ter percebido porque ficaram sem licenciatura. Um deles, que preferiu não se identificar, explicou ao SOL que “estes processos goraram muitas expectativas” e “interromperam aspirações de pessoas cujo processo não tinha tido qualquer irregularidade”. Fomos arrastados “por todo o mediatismo de um caso e não sabemos ainda hoje quem terá tido mais culpa, se a Universidade, se o Ministério”.
O caso já decidido em Tribunal
Para Ana Ferreira a sua passagem pela Lusófona era um capítulo que estava encerrado e que lhe tinha permitido o que mais desejava, inscrever-se na Ordem. Até ao ano passado, estava completamente dedicada à sua profissão: Técnica Oficial de Contas de várias empresas. Mas o ‘caso Relvas’ arrastou-a para uma onda de incertezas, lê-se no processo que deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a que o SOL teve acesso.
“Desde 2012, a autora encontra-se a exercer regularmente aquela profissão e é atualmente responsável pela contabilidade de 60 empresas, algumas das quais de grande dimensão (…) Esta atividade é a única fonte de rendimentos, permitindo-lhe suportar as despesas do seu agregado familiar, que é composto por si e uma filha menor”, refere.
Os fundamentos do despacho do antigo secretário de Estado do Ensino Superior – baseado na informação do IGEC – não chegaram logo ao conhecimento de Ana Ferreira, que só após conhecer a intenção de lhe anularem o curso é que requereu à universidade uma certidão com as razões.
A sua surpresa foi ainda maior quando deu conta de que, no processo que tinha levado à anulação da sua licenciatura, havia dados falsos. Na queixa enviada ao tribunal refere que, “ao contrário do que se refere (na informação do IGEC), nunca recebeu qualquer equivalência relativa à disciplina de Introdução à investigação Operacional”.
Como a IGEC só tem competência para apontar o dedo a questões administrativas – não pode avaliar se as equivalências são ou não justas do ponto de vista científico -, nos 152 processos anulados, foram referidas duas irregularidades: a ininteligibilidade e a falta de documentos que comprovassem as razões da equivalência.
“Não entrando nas matérias de caráter científico que o processo de creditação implica e que desde já não se contesta – até porque todos os alunos apresentam nos seus processos elementos e provas em concreto que permitem, em abstrato, a creditação efetuada -, facto é que se incluíram Unidades Curriculares (UC) nos percursos académicos dos alunos que nunca funcionaram na Lusófona”, referiram os inspetores no relatório da ação de acompanhamento à Lusófona
Para a anulação da licenciatura da Técnica Oficial de Contas Ana Ferreira foi invocada a ininteligibilidade do ato, considerando-se que foram aceites como optativas cadeiras feitas noutra faculdade (sendo dado o nome que têm nesta outra instituição) e de entre as cadeiras disponibilizadas pela Lusófona.
Juiz não diz que IGEC estava errada e causou prejuízo
Na sentença proferida no final do ano passado, o juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Manuel Antunes, conclui que não houve ininteligibilidade no processo de equivalências desta aluna: “Não vemos, sem prejuízo de melhor apreciação a seu tempo, onde se encontre a ininteligibilidade do ato de credenciação revogado; nem, bem assim, com base numa alegada ‘inexistência das referidas UC’ ou ‘não definição’ como optativas, onde esteja a impossibilidade do objeto desses atos de credenciação. Fica a ideia que as UC existiram, tanto mais que, no caso da autora, a mesma obteve licenciatura na Universidade de Lisboa e aqui lhe foram reconhecidas”.
Confirmada a existência de dados incorretos no relatório
O magistrado afirma ainda que a informação da IGEC “parece contraditória, pelo menos, no que toca à situação da disciplina de Introdução à Investigação Operacional, relativamente à qual a (ex-aluna) não recebeu qualquer equivalência”.
A terminar, assegura que os “prejuízos pessoais não deixam, pois, de ser ponderáveis, como prejuízos de difícil, senão de impossível, reparação”. Por todos estes motivos, conclui: “Deve o tribunal julgar procedente a presente ação cautelar e deferir a providência de suspensão de eficácia requerida”.
Respeitando o sigilo pedido pelas fontes, os nomes dos ex-alunos são fictícios