Os seguranças são gente de quem temos naturalmente pena, vida madrasta que o tempo demora a passar. Ainda assim, sabemo-los essenciais, subsolo da hierarquia de qualquer empresa. Nesta prepara-se a introdução de uma tecnologia que pretende criar uma representação perfeita do mundo, sem lugar para ódios de estimação nem negritudes de alma.
Do lado de cá, os três seguranças presos no seu fosso – que aqui toma dimensão pois se faz em palco – tentam aniquilar o aborrecimento ao descortinar o que tramam os líderes da tal empresa sem nome. Universos Paralelos, que estreou a 19 de fevereiro no Teatro do Campo Alegre e que fica pelo D. Maria II neste e no próximo fim de semana, é um jogo complexo entre o real e o virtual, entre a existência e o alienígena, onde não há lugar para vencedores.
Uma espécie de filme teatral
Jorge Andradre, o diretor artístico da mala voadora, começou por interessar-se pela física quântica e pela possibilidade – aliada às recentes notícias de descobertas de partículas e afins no espaço – da existência de outros universos. “Era péssimo aluno a física e pensei que seria um espetáculo bom para adolescentes, achei que era interessante do ponto de vista temático. Tive com alguns físicos, quando comecei a trabalhar, e percebi que gostava muito da ideia mas que não queria fazer uma aula lúdica de física”, conta.
Então decidiu fazer uma espécie de filme teatral, ou, por outra, um espetáculo onde há três atores, aqui seguranças, em palco e uma tela gigante com todas as câmaras da empresa criadora do tal software. Manifestação que obriga a um recostar de cadeira à cinema, para conseguir olhar mais alto. Mas sem deixar de ser teatro. O vídeo como veículo de representação. “Temo-nos interessado por estes mecanismos que criam o mundo do espetáculo. Conseguimos criar uma aparente realidade muito mais forte, nesta coisa do cinema temos outras possibilidades, como por exemplo ter estado a trabalhar com aqueles atores todos e eles não precisarem de estar aqui, manipula-se mais informação”, explica o encenador, ator e autor do texto.
À medida que a tecnologia vai sendo testada a empresa vai-se tornando mais estranha. Há uma série de acontecimentos inexplicáveis, diríamos paranormais, que colocam a equipa de segurança numa busca incessante pela normalidade, como se isso fosse possível. Espelho de uma profissão que é dominada pelo tédio.
“Veio-me a ideia dos seguranças, que estão a observar câmaras de vigilância e que manipulam as imagens. Não queria de todo fazer esta coisa que diz que vivemos num mundo super vigiado, da invasão da privacidade. Queria antes explorar essa coisa de um senhor que está lá, num cubículo, enfiado a ver filmes e como é que consegue, a partir do tédio, criar ficções”.
A realidade virtual anda por aí a trocar-nos as voltas. Universos Paralelos pode ajudar a combatê-la. Se isso for do nosso interesse.