A memória em Portugal é curta, além de altamente seletiva, e talvez seja bom recordar alguns factos.
A primeira vez que a idoneidade do líder do BES esteve em causa foi a 18 de dezembro de 2012, quando foi depor no processo Monte Branco. Na altura, o SOL noticiou que fora convocado para esclarecer milhões de euros que lhe tinham encontrado em contas no estrangeiro, por declarar ao Fisco, tendo escapado à constituição de arguido apenas porque pagara o imposto em falta. Nenhum político na altura reagiu a tão criticável prática. E alguns jornalistas até ajudaram a divulgar a sua versão, de que testemunhara “voluntariamente” e que o Ministério Público atestara que não estava envolvido no Monte Branco.
Fosse da época natalícia ou dos financiamentos do BES que traziam meio país preso a Salgado, o facto é que um banqueiro apanhado a fugir ao Fisco não motivou qualquer indignação pública.
Um mês depois, em janeiro de 2013, o jornal i noticiou que Salgado tinha corrigido três vezes o IRS de 2011, em 8,5 milhões, e o SOL revelou que, a par disso, o banqueiro recorrera aos três Regimes Extraordinários de Regularização Tributária, entre 2005 e 2010, para legalizar 26 milhões de euros que tinha lá fora, não declarados ao Fisco.
Repetiu-se o silêncio, apenas com uma exceção e honra lhe seja feita: Ana Drago, deputada do BE, confrontou Carlos Costa no Parlamento sobre a idoneidade de Salgado enquanto banqueiro, tendo em conta as notícias. O governador titubeou e chutou para canto, é um facto (“O que tenho a fazer faço e com a brevidade que alguns deputados, julgo, já conhecem”, disse). Perante a insistência posterior dos deputados do Bloco, diria mais tarde que a lei não lhe dava margem para abrir processos de avaliação de idoneidade.
Em setembro seguinte, o SOL revelou que Salgado tinha uma offshore no Panamá, através da qual circulou boa parte do dinheiro que escondera do Fisco, incluindo uma prenda milionária do construtor José Guilherme. Mais uma vez, não se ouviu nenhum dos atuais políticos inflamados dizerem uma palavra. Era tudo normal. Nem o caso teve seguimento na imprensa (a mesma que ignora agora, aliás, a manipulação de bastidores que Sócrates fez para escolher as suas peças no grupo DN/JN, noticiadas pelo SOL). A coisa só mudou de figura bem depois, quando se soube que as contas no GES/BES tinham um colossal ‘buraco’ que ameaçava o fluxo de dinheiro de que beneficiaram muitos durante as últimas duas décadas.
Falar e acusar agora Carlos Costa – quando até foi o único que nos bastidores enfrentou Salgado e o obrigou a afastar-se da gestão do BES – é muito fácil. E revela bastante hipocrisia.
P.S. – Ainda não se ouviram os políticos, jornalistas e juristas do costume clamarem contra as alegadas violações pela imprensa da presunção de inocência e do segredo de Justiça (como o fizeram com Sócrates) no caso da prisão do procurador Orlando Figueira. Parece que é tudo uma questão de conveniência.