Esta é uma das frases mais expressivas usadas por José Sócrates para tentar explicar aos magistrados da Operação Marquês que sempre viveu com dificuldades de dinheiro durante o interrogatório a que foi sujeito após a detenção e que a CMTV divulgou, incluindo algumas escutas telefónicas com que o arguido foi confrontado.
Num programa que foi para o ar pouco antes da meia noite e que durou até à uma e meia da manhã de hoje, a estação de televisão do grupo Correio da Manhã pôs no ar longos excertos dos interrogatórios de José Sócrates e de Carlos Santos Silva, em novembro de 2014, nos dias seguintes às detenções.
Perante o juiz Carlos Alexandre e o procurador da República Rosário Teixeira, ambos os arguidos foram confrontados, em interrogatórios separados, sobre os indícios criminais apurados pela investigação, como a fortuna de 23 milhões de euros na Suíça que será de Sócrates e que o Ministério Público considera estar apenas formalmente em nome de Carlos Santos Silva, tendo em conta a utilização desse dinheiro pelo ex-primeiro-ministro. E ainda o andar e as despesas de Sócrates e familiares em Parias, os milhares de euros que recebia em envelopes através do motorista e enviados por Santos Silva, a intenção de adquirir imóveis em Lisboa, a compra de dezenas de milhares de exemplares do livro de Sócrates para fazer subir as vendas e as despesas com mulheres com quem este se relacionava (que num dos casos totalizaram quase 100 mil euros).
Nos excertos transmitidos pela CMTV incluem-se algumas escutas telefónicas com que Sócrates e Santos Silva foram confrontados nos respetivos interrogatórios. A estação tem estado a retransmiti-los esta noite. As frases e diálogos que se seguem são daí retirados.
"Eu tenho pouco e sei que ele é um homem de posses"
José Sócrates – "Eu vivo do meu trabalho e sempre vivi, nunca tive meios de fortuna, vivi sempre com a ajuda da minha mãe de onde em onde. E a primeira consequência que eu queria tirar daqui é que lamento que algumas dificuldades financeiras que tenho possam ser aproveitadas contra mim e contra a minha honestidade."
"Quero contestar que o Carlos Santos Silva me tenha entregue — ele ou através de outras pessoas — as quantias que aqui estão, porque são exageradíssimas. Mas devo dizer que é verdade que o Carlos santos Silva de onde em onde me emprestava dinheiro. Porque eu tenho pouco e sei que ele é um homem de posses, de vez em quando pedia-lhe dinheiro. Genericamente é o que tenho a dizer."
Juiz Carlos Alexandre — "Dinheiro esse que devolveu?"
José Sócrates — "Não, ainda não devolvi nada. Não devolvi nada, não: algumas coisas fui devolvendo ao longo da vida. Mas eu sei que tenho para com ele uma dívida que procurarei pagar".
"No final de 2012, 2013, eu tive dificuldades financeiras. Já pensei… aliás, penso, em penhorar de novo a minha casa. É uma coisa que ando a pensar. Mas é verdade que ao longo dos últimos anos tenho passado dificuldades financeiras que, pela leitura que faço daqui, os senhores bem conhecem."
'Tenho uma ideia da dívida, mas tenho que ver com os meu papéis'
O juiz Carlos Alexandre quis então saber qual era o montante que o ex-primeiro-ministro devia a Carlos Santos Silva:
José Sócrates — "Pois, isso é muito difícil de dizer… Eu tenho uma ideia, mas nada que se pareça com estes valores".
Juiz Carlos Alexandre — "Mas que ideia tem? Grosso modo…?"
José Sócrates — "Grosso modo…? Sabe dr. juiz, eu quero responder a tudo, mas eu fui confrontado com isto ontem e eu tenho que fazer eu próprio…"
Juiz Carlos Alexandre — "Mas tem uma ideia dessas importâncias?"
José Sócrates — "Tenho uma ideia. Mas eu gostaria de, eu próprio, verificar com os meus papéis e faturações e tal, para confirmar. Porque está aqui muita coisa que não é verdadeiro… mas assim não sei".
'Sócrates já ultrapassou o plafond de 2014'
O valor da dívida de Sócrates ao amigo empresário esteve também no centro do interrogatório deste, um dia antes:
Carlos Santos Silva — "Eu já tinha manifestado ao sr. engenheiro essa minha disponibilidade, de que até ao final de 2014 o podia ajudar com um montante dessa ordem de grandeza…"
Juiz Carlos Alexandre — "Desculpe, não estou a perceber. Disse 20 mil..?"
Carlos Santos Silva — "500 mil. Até ao final de 2014. Já ultrapassou…, já tenho registados 510 nos meus apontamentos…
Juiz Carlos Alexandre – "É pena o senhor nesses apontamentos…"
Carlos Santos Silva – "Mas eu destruí-os…"
Juiz Carlos Alexandre — "Pois, está bem…"
Procurador Rosário Teixeira — "E não destruiu este ano, quando vieram aí umas notícias sobre ele…?"
Carlos Santos Silva — "Não, tomo notas e no fim do ano…"