Juiz do Lava-Jato: ‘A democracia exige que os governados saibam o que fazem os governantes’

A divulgação de escutas telefónicas do processo Lava-Jato em que Lula é investigado, incluindo o seu telefonema para Dilma, foi  justificada pelo juiz do processo, Sérgio Moro, num despacho datado de ontem, 16 de março, em que determina o fim do segredo de justiça no caso.

No despacho, o magistrado explica que as escutas tornaram-se inúteis e que determinou o seu fim depois de a Polícia Federal ter notado que os investigados já se tinham apercebido de que estavam a ser vigiados, suspeitando-se de fuga de informação. E justifica o fim do sigilo invocando o princípio constitucional da publicidade da Justiça e a necessidade de os brasileiros saberem o que fazem os seus governantes – ou seja, neste caso, como a Presidente Dilma terá obstruído a ação da Justiça combinando com o seu antecessor e amigo a entrega de um documento “de tomada de posse”, pronto a ser assinado no caso de surgir (como surgiu) uma ordem de detenção de Lula. Por outro lado, salienta o juiz, nas escutas em causa não há quaisquer matérias “de conteúdo pessoal”. O telefonema em causa é do início deste mês.

Lula ‘já sabia’

Depois de explicar que, no processo, era um assessor de Lula e não o ex-Presidente ou a atual Presidente Dilma quem estava sob escuta, Sérgio Moro, afirma: “Rigorosamente, pelo teor dos diálogos desgravados, constata-se que o ex-Presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo intercetado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos. Da mesma forma, alguns diálogos sugerem que tinha conhecimento antecipado das buscas efetivadas em 04/03/2016”.

“Não havendo mais necessidade do sigilo, levanto a medida a fim de propiciar a ampla defesa e publicidade. Como tenho decidido em todos os casos semelhantes da assim denominada Operação Lavajato, tratando o processo de apuração de possíveis crimes contra a Administração Pública, o interesse público e a previsão constitucional de publicidade dos processos (art. 5º, LX, e art. 93, IX, da Constituição Federal) impedem a imposição da continuidade de sigilo sobre autos”, afirma o juiz.

E prossegue: “O levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

Processo remetido ao Supremo

Sérgio Moro salienta ainda: “Sigilo absoluto deve ser mantido em relação a diálogos de conteúdo pessoal inadvertidamente interceptados, preservando-se a intimidade, mas jamais, à luz do art. 5º, LX, e art. 93, IX, da Constituição Federal, sobre diálogos relevantes para investigação de supostos crimes contra a Administração Pública. Nos termos da Constituição, não há qualquer defesa de intimidade ou interesse social que justifiquem a manutenção do segredo em relação a elementos probatórios relacionados à investigação de crimes contra a Administração Pública. Portanto, levanto o sigilo sobre estes autos”.

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O juiz termina o despacho mandando remeter o processo todo para o Supremo Tribunal, tendo em conta que já não tem competência para investigar Lula: “Diante da notícia divulgada na presente data de que o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria aceito convite para ocupar o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, deve o feito, com os conexos, ser remetido, após a posse, aparentemente marcada para a próxima terça-feira (dia 22), quando efetivamente adquire o foro privilegiado, ao Egrégio Supremo Tribunal Federal”.

Dilma Rousseff manifestou-se entretanto chocada com a atuação do juiz. Num comunicado, divulgado ontem à noite, a Presidência da República afirmou que a divulgação do conteúdo do telefonema entre a Dilma e Lula da Silva é uma "afronta" aos seus direitos e garantias, além de uma "flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz”.

A oposição está a pedir a renúncia da Presidente, por considerar que o telefonema é uma prova clara de que obstruiu a Justiça.

A tomada de posse de Lula como ministro está marca para as 10h da manhã (hora de Brasília).

Dilma: Alô

Lula: Alô

Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.

Lula: Fala, querida. Ahn

Dilma: Seguinte, eu tô mandando o “Bessias" junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!

Lula: "Uhum". Tá bom, tá bom.

Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.

Lula: Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.

Dilma: Tá?!

Lula: Tá bom.

Dilma: Tchau.

Lula: Tchau, querida.