Ator, produtor, realizador, criativo em todas as dimensões, valências estratosféricas que o fizeram ser adorado por todos aqueles que não quiseram deixar de dar o seu tributo, corso que se prolongou até ao Alto de São João, com milhares de pessoas a seguirem o carro funerário, a aplaudir e a mostrar lenços brancos. Nicolau Breyner estava a gravar A Impostora, nova telenovela da TVI que ainda não conheceu estreia.
Além disto os seus últimos projetos tinham sido a nova versão de Jardins Proibidos e O Beijo do Escorpião, no que à televisão diz respeito. Os Gatos não Têm Vertigens, do amigo de longa data António-Pedro Vasconcelos marcou a sua última aparição no grande ecrã, tal como Comboio Noturno para Lisboa, realizado por Billie August, protagonizado por Jeremy Irons, produção que parte do romance homónimo do suíço Pascal Mercier.
Um cantor que virou ator
Filho do Alentejo profundo, tendo nascido em Serpa a 30 de julho de 1940, João Nicolau de Melo Breyner Lopes veio para Lisboa ainda em jovem, à boleia dos tios, pais de Sophia de Mello Breyner Andresen. O entusiasmo pelo canto cedo se manifestou, ao ponto de integrar a Juventude Musical Portuguesa. Enquanto estudante foi no Liceu Camões que cumpriu grande parte da sua formação antes de se mudar para o Conservatório Nacional.
Aí, Nicolau não sabia ao que ia, ou por outro, sabia mas errou na primeira porta. Se começou por inscrever-se no canto, pouco depois passou para teatro, formação que concluiu com distinção, assim não fosse e não se tinha estreado ainda enquanto aluno. Foi no Teatro Nacional Popular, lugar hoje ocupado pelo Teatro da Trindade, que o jovem ator subiu pela primeira vez ao palco em Leonor Telles, peça escrita por Marcelino Mesquita e encenada por Ribeirinho, em abril de 1960.
Um ano depois chega o primeiro papel no cinema, em Raça, de Augusto Fraga, fita com argumento de Ruy Correa Leite que abordava os desvarios e jogos de poder de uma família burguesa. Já aí num elenco com Irene Cruz, João Mota, João Perry, Paulo Renato, Rui Mendes, Ruy de Carvalho. Aqueles que se viriam a tornar enormes – e eternos companheiros de profissão de Nicolau – já por aqui estavam. Ainda que Nicolau Breyner tivesse apenas uma pequena participação enquanto rapaz do bairro.
Prenúncio, ainda assim, de que não seria em teatro que Breyner faria a sua carreira. Apesar de uma ou outra peça, sobretudo comédias com Laura Alves, o ator sempre privilegiou o cinema, tendo estado presente em mais de 50 filmes ao longo do seu percurso. Na primeira década da sua carreira, de 1961 a 1969, apareceu em 13 produções. O teatro começou a perder espaço até porque a televisão viria a tomar uma preponderância enorme para a sua obra. Sobretudo a partir de 1975, com Nicolau no País das Maravilhas, de onde nasceu a famosa rábula do Senhor Feliz e do Senhor Contente, onde estendeu a passadeira vermelha para o surgimento de um jovem luso-alemão que viria a tornar-se num dos maiores astros da comédia nacional: Herman José. Todos recordamos, por certo, a música sempre animada com a frase: ‘Diga a gente, diga a gente, como vai este país?.
A RTP como casa-mãe, onde Nicolau Breyner se fez grande. Cinco anos depois era a vez de Eu Show Nico, espécie de sucessor de Nicolau no País das Maravilhas, com uma série de sortido de sketches e personagens onde a comédia mandava, fórmula que viria a repetir em 1988 com uma nova versão do programa e ainda em Euronico, estávamos em 1990.
O pai da telenovela
Antes disso, talvez o facto pelo qual mais recebe congratulações. Em 1982, Nicolau Breyner, a par de Francisco Nicholson foram os criadores da primeira telenovela portuguesa: Vila Faia. Nico não deixou, no entanto, de assumir lugar de ator, era João Godunha um dos motoristas da família Carvalho, proprietária de uma marca de vinhos com grande relevância no mercado nacional. É precisamente após Vila Faia, que o ator funda a NBP – Nicolau Breyner Produções – que viria a desaguar na atual Plural Entertainment, responsável por grande parte dos projetos de ficção e entretenimento em Portugal. Nicolau tem por isso mesmo de ser considerado um visionário, um homem que não esperou pela sua vez, nem ficou a contar que outros fizessem por si. Foi administrador, produtor, realizador e ator da sua própria produtora.
Na década de 90 viria a assumir uma ocupação que começou um ano antes, em 1989, quando começou a apresentar Jogo de Cartas com Felipa Garnel, uma das suas melhores amigas. E as apresentações sucederam-se, quer em programas de entretenimento quer em cerimónias como o Festival RTP da Canção 1994 ou os Prémios RTC 98.
Também não se pode falar de Nicolau Breyner sem pensar na componente de formação, isto é, muitos dos grandes homens da interpretação nacional do momento, alguns já idos também, foram ensinados por si. Considerado por todos um diretor de atores incrível. Enquanto homem, dizem-nos os relatos de gente próxima, era de uma generosidade imensurável. De uma amizade incondicional, sempre disposto a ouvir e, quanto sábio que parecia ser não só da sua arte mas na lida do quotidiano, dar a sua opinião e conselho.
Convém também não esquecer que mandou o cancro dar uma volta, em 2009, quando a próstata o quis tramar. Nicolau não foi nisso e superou o malandro. Benfiquista, profundamente católico, de tal forma que antes de grandes produções passava pela Basílica da Estrela para rezar um bocado. Disse sempre que não tinha medo de morrer, que não queria que o país parasse na hora da sua morte, que queria ser cremado “porque era mais quentinho”. O país deu-lhe tudo o que ele não queria. Esperemos que não se importe.