Trata-se de uma perceção cada vez mais enraizada entre os povos europeus, a que muitos aderem acriticamente, sem cuidar de saber o que é e o que significa Schengen e qual a sua eventual ‘responsabilidade’ pelos males da segurança europeia.
Sendo indiscutível que a livre circulação trouxe novos e mais complexos problemas para a segurança na Europa, também é inequívoco que a União Europeia tem procurado soluções adequadas para os desafios daí resultantes, bem expressas na legislação, mecanismos, órgãos e agências que dão corpo ao Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça da União, designadamente, os sistemas de informações (SIS II, Eurosur e Europol), os meios de intervenção operacional (Frontex e Europol), os órgãos de formulação e ação estratégica (COSI) e os instrumentos de cooperação judicial (Eurojust), todos eles servidos por estruturas tecnológicas de ponta e recursos humanos altamente qualificados.
Se avaliarmos a segurança europeia após a concretização de Schengen (Março de 1995), constatamos que a criminalidade no espaço sem fronteiras tem vindo a diminuir de forma consistente, incluindo a criminalidade considerada mais violenta e grave . No que se refere ao terrorismo, verificamos que o fenómeno, ainda que de natureza e motivações diferentes, já existia antes de Schengen e não tem poupado os países que mantêm os controlos nas suas fronteiras com outros Estados-membros, como é o caso do Reino Unido.
Importa perceber que o terrorismo jihadista, apesar das suas raízes e conexões externas, ganhou vida própria e autonomia operacional no interior das fronteiras europeias; basta lembrar que quase todos os implicados nos mais graves atentados ocorridos em território da União Europeia – Madrid (11/03/2004), Londres (07/07/2005) e Paris (07/01/2015 e 13/11/2015) – eram cidadãos europeus, nascidos na Europa.
Ciente deste facto, Federica Mogherini, Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, questionada sobre a relação de Schengen com o terrorismo, reformulou a pergunta e deu a resposta: «Mas o que é que Schengen tem a ver com o terrorismo? Nada», acrescentando que a União dispõe dos mecanismos necessários para enfrentar essas ameaças.
Na mesma perspetiva, Schengen só passou a estar relacionado com a crise dos refugiados porque os Estados-membros não souberam construir uma resposta comum para o problema. O que está em causa são as matérias de política europeia de asilo (sistema de Dublin) e de controlo das fronteiras externas (competência dos Estados), e não a de livre circulação no interior da União (Schengen).
Apesar da ideia que se deixa transparecer, Schengen não fragiliza a segurança nas fronteiras externas, antes pelo contrário, acrescenta e disponibiliza capacidades aos Estados-membros que exercem essa responsabilidade.
As mais sérias vulnerabilidades da segurança europeia não decorrem da aplicação dos Acordos de Schengen nem da falta de instrumentos comunitários; são, sim, fruto da crescente falta de confiança e de solidariedade entre os Estados-membros e da sobreposição dos egoísmos nacionais ao interesse comum, bem patente na forma como alguns países europeus têm lidado com a pressão migratória e a crise dos refugiados.
Neste contexto, agravado pela grande instabilidade nas relações internacionais à escala global e persistentes incertezas na zona euro, a União Europeia dá sinais de cedência nos seus princípios fundadores, tornando plausível um cenário de desagregação e crise generalizada, capaz de deitar por terra o projeto de paz, liberdade, segurança e prosperidade económica que, nos últimos 60 anos, tem oferecido aos povos europeus um nível de vida e bem-estar social sem precedentes.
Justificar a reposição das fronteiras internas com a criminalidade e insegurança lembra-me a argumentação que ouvia aos mais velhos, na barbearia da minha aldeia, a propósito da família e das alterações climáticas: os divórcios eram causados pela moda da minissaia e a chuva fora de época era coisa dos americanos terem ido à lua.
Nota: As reflexões críticas e as perspetivas de abordagem contidas no artigo são da exclusiva responsabilidade do autor, não constituindo doutrina ou posição oficial da GNR.
* Coronel GNR (Res.), Mestre em Direito e Segurança