No dia 2 de dezembro de 2015, o novo primeiro-ministro declara na Assembleia da República que o Programa do Governo inclui contributos do PAN (partido dos animais), “com quem contamos para aprofundar o debate civilizacional sobre o bem-estar animal”. De seguida, fala nos parceiros sociais e na concertação social. E apenas ao minuto quatro refere o “moderno estado social”.
Foi a primeira vez na nossa história que um primeiro-ministro declarou que o bem-estar animal vem antes do bem-estar das pessoas e do estado social. Ou se trata de uma verdadeira rutura civilizacional – com os animais a valerem mais do que as pessoas – ou é a mais desavergonhada pesca ao voto do deputado que faz falta.
Durante a campanha eleitoral ouvimos falar de segurança social, de TSU, de pensões, de impostos, de riqueza, de classe média, de pobreza e de redistribuição dos recursos.
Em maio de 2015, António Costa anunciava nas televisões novos escalões de IRS, com os mais ricos a pagar mais, para reduzir a carga fiscal da classe média. Criar-se-iam novos escalões, aumentando as taxas dos que mais ganhavam. Aumentar-se-ia a progressividade, desonerando os impostos sobre o trabalho, considerando que a fiscalidade (designadamente da dita classe média) era demasiado elevada.
Maio era ainda o mês das entrevistas e explicações de Mário Centeno sobre a baixa da TSU: “A redução da taxa contributiva dos trabalhadores é autofinanciada. É até mais do que autofinanciada, porque esperamos um impacto positivo na economia. Mesmo sem esse efeito, o compromisso é que esta redução temporária seja refletida nas pensões futuras”.
Já em novembro, e com o XX Governo da PàF ainda em funções, o Correio da Manhã titulava: “IRS: classe média dá 350 milhões aos pobres”. Explicava-se: “António Costa, se for indigitado primeiro-ministro, vai distribuir até 350 milhões de euros por ano aos trabalhadores com vencimentos inferiores ao salário mínimo nacional. Para isso vai criar um escalão negativo de IRS que, em vez de retirar, atribui dinheiro aos contribuintes. Uma novidade absoluta no sistema fiscal português”. Este dinheiro seria retirado, dizia-se, à classe média.
Em março de 2016, porém, já nada se ouve sobre ricos, remediados, pobres ou sobre redistribuição de riqueza: a medida emblemática deste Orçamento é as despesas no veterinário darem benefício no IRS. É o mesmo incentivo que já existe atualmente para quem pede fatura nos cabeleireiros, oficinas e restaurantes.
As esquerdas uniram-se para dar à luz um Orçamento que desiste da classe média e o mais perto que lhe chega é quando lhe trata do desparasitante do cão ou da areia do gato. Quatro meses volvidos sobre a tomada de posse, estamos caídos nisto.