Morreu na passada quinta-feira, pelas primeiras horas da manhã, a rainha da arquitetura contemporânea. A Dama Zaha Hadid encontrava-se num hospital em Miami, a tratar-se de uma bronquite quando sofreu um súbito ataque cardíaco. Tinha 65 anos.
Foram várias as personalidades que ao longo do dia emitiram comunicados refletindo a perda enorme que a sua morte representa para a arquitetura e para o mundo. Entre elas, Jane Duncan, presidente da RIBA (Instituto Real dos Arquitetos Britânicos), que disse de Zaha Hadid que «foi uma mulher inspiradora, e o tipo de arquiteta com que se pode apenas sonhar ser». A primeira mulher a receber o Pritzker e a medalha de ouro da RIBA – os dois máximos galardões da profissão – era uma «visionária e altamente experimental», salientou Jane Duncan, acrescentando que «o seu legado, apesar da sua jovem idade, é formidável».
Zaha Mohammad Hadid nasceu em Bagdade a 31 de outubro de1950, filha de um político e industrial rico.
Esta estrela da arquitetura, número 69 da lista da Forbes das mulheres mais poderosas do mundo em 2008, teve desde o início uma carreira muito difícil, apesar do enorme sucesso que alcançou.
Estudou arquitetura na Architectural Association em Londres, uma universidade para a elite rica, onde se formou em 1977 tendo depois trabalhado no Office for Metropolitan Architecture, de Rem Koolhaas. Em 1979, decide abrir o seu próprio ateliê, onde se dedica a participar em concursos de arquitetura – que invariavelmente perdia, pelas suas propostas arrojadas, de linhas extravagantes e profundamente originais. O mundo ainda não estava preparado para a sua visão do futuro.
É só em 1991, 12 anos depois, que consegue a sua primeira grande oportunidade, quando os fundadores da Vitra (grandes apaixonados de arquitetura) lhe pedem que desenhe o quartel de bombeiros para o seu complexo industrial em Weil am Rhein, na Alemanha. Oportunidade que Hadid não desperdiça, concebendo um impressionante edifício em betão armado, de perfil cortante e planos inclinados, que parecem congelados numa explosão de movimento.
Com este modesto quartel de bombeiros – que na realidade raramente foi utilizado –, a arquiteta consegue finalmente lançar uma espetacular carreira que viria a ser uma das mais controversas.
Com uma personalidade própria de uma diva, Hadid – que o próprio júri da RIBA considerou ser «o oposto da modéstia» – era famosa por regularmente se enervar nas suas palestras, ralhando com técnicos desastrados ou distraídos membros da audiência. Foram várias as ocasiões em que a Dama, que se passeava por Londres no seu táxi privado, recusou responder às perguntas dos jornalistas, fingindo não as ouvir ou tempestivamente abandonando o local.
Durante toda a sua carreira teve de aguentar duras criticas. Na profissão, foi considerada por muitos uma arquiteta formalista ao serviço de uma sociedade da aparência. Os jornalistas perseguiam-na pelos seus projetos em países como o Qatar, onde os trabalhadores da construção civil são tratados como escravos.
A sua morte inesperada, quando se encontrava no auge da carreira e da fama, não coloca em causa o seu contributo enorme para a arquitetura. Conseguiu atingir aquele que é o sonho de qualquer arquiteto, deixando para além de uma imponente obra construída, uma forte escola de admiradores e seguidores, com epicentro na Architectural Association, onde estudou, e onde agora, a sua visão futurista parece dominar grande parte do ensino.
Os seus edifícios, compostos de curvas sinuosas, linhas velozes, materiais brilhantes e artificiais e luzes límpidas, parecem guloseimas de uma civilização de dois mil e muitos, que conseguiu finalmente livrar-se de toda a miséria e vive profundamente hipnotizada pela sua capacidade tecnológica. Entre eles destacam-se, o MAXXI (Museu Nacional Italiano das Artes do Século XXI), em Roma, a Ópera de Cantão, na China, o Centro Aquático de Londres que foi usado para as Olimpíadas de 2012 e o Centro Heydar Aliyev, em Bakun(Azerbaijão).
«Creio que a arquitetura tem uma certa capacidade para gerar uma determinada cultura. Os arquitetos deveriam colocar-se à frente dos outros, mantendo-se atentos ao que acontece em seu redor. Não acredito que possamos impor uma ideia às pessoas, mas devemos ser capazes de prever o que acontecerá no futuro». As palavras são da própria arquiteta, que parecia querer viver num mundo de ficção científica.
Na verdade, a sua obra foi muito para além dos edifícios. Zaha Hadid criou uma marca e vendeu um ‘estilo de vida’. A par de edifícios, desenhou barcos, carros, mobiliário, roupa, sapatos e perfumes.
Se, por um lado, os melhores arquitetos sempre procuraram mudar a forma como as pessoas vivem, a proposta de Hadid não era tanto de uma vida diferente como de uma imagem diferente. O futuro que nos propôs e nos deixou foi, acima de tudo, um efeito visual. E talvez seja mesmo esta superficialidade da sua obra o que a tenha permitido atingir tamanho sucesso. Seria difícil para qualquer civilização, aceitar um futuro que fosse mais do que um mero enfeite para embelezar o presente, tal como é difícil lembrarmo-nos de algum verdadeiro visionário que tenha sido compreendido no seu tempo.
João Vaz Pinto
Arquiteto