Assim começa o livro do historiador norte-americano Mike Davis Buda’s Wagon: A Brief History of the Car Bomb.
A carroça explodiu, atirando o cavalo e o veículo para o ar em mil pedaços. Os vidros caíram e todos os 12 pisos do edifício ficaram envoltos em chamas. Uma nuvem de pó preto cobriu a zona. Morreram 40 pessoas e ficaram feridas 200 no primeiro atentado com um carro-bomba de que há relato.
Um pobre imigrante italiano tinha provocado o inferno no coração do capitalismo. Estava inventada a força aérea do pobres e o terrorismo chegava à sua fase industrial. Mas foram precisos mais 27 anos para o mundo assistir à repetição da ação terrorista com um carro-bomba: em 12 de janeiro de 1947, os sionistas de extrema-direita da Brigada Stern faziam rebentar um camião com explosivos junto a uma esquadra britânica, matando quatro pessoas e ferindo 140. Rapidamente, o método é adotado por vários grupos beligerantes: Saigão em 1952, Argel em 1962, Palermo em 1963, e finalmente, como refere Mike Davis, as portas do inferno foram abertas com o atentado do IRA em 1972, que usou pela primeira vez um carro-bomba com amónio, nitrato e gasóleo, produtos que são facilmente comprados em qualquer lugar. Entre 1992 e 1998, os 16 atentados com veículos-bomba em 13 cidades do planeta mataram 1050 pessoas e feriram 12 mil. Portugal teve a sua dose com as FP-25, na primeira metade da década de 1980.
A seita dos assassinos
O chamado terrorismo não nasceu agora com o Estado Islâmico, nem sequer com o carro-bomba de Buda. Os seus primórdios remontam ao século XI e à seita dos assassinos, ramo pioneiro do ismaelismo que defendia que menos grave que fazer uma guerra em que morreriam milhares de pessoas era assassinar direta e publicamente os inimigos. Os assassinos saíam da fortaleza de Alamut, misturavam-se com as multidões e matavam os seus inimigos, para vincar uma posição e para os atemorizar.
Na Europa, o nascimento da chamada idade clássica do terrorismo é em 1878, anos depois do massacre de 30 mil operários da Comuna de Paris ou da execução de um grupo de internacionalistas em Cádis, em 1873 – massacres de Estado que radicalizaram revoltosos e anarquistas. O ano de 1878 é a grande estreia do terrorismo europeu: em janeiro, a revolucionária russa Vera Zassoulitch fere o general Trepov; em julho, Alexander Solovev tenta matar o czar, o que culminará numa verdadeira caça aos reis: assassínio de Alexandre II, em 1881, pelo Vontade do Povo; em maio e junho desse ano, uma série de atentados anarquistas contra o kaiser, em Berlim, o que, segundo Davis, dá pretexto a Bismarck para perseguir os sociais-democratas alemães, que não tinham nada que ver com os atentados; no outono, verifica-se um atentado contra Afonso XII, rei de Espanha; ao mesmo tempo que o anarquista Giovanni Passannante dissimula um punhal numa bandeira vermelha e com ele apunhala o rei de Itália. O ano termina com a encíclica do Papa Leão XIII consagrada à «peste mortal do comunismo».
Mais seguros do que nunca
O chamado terrorismo não é um fenómeno de hoje e está ligado a conflitos em que, muitas vezes, é difícil identificar quem é terrorista e quem é combatente da liberdade – os terroristas de uns são os combatentes da liberdade de outros. E muito menos está circunscrito à Europa ocidental. Entre 2001 e 2014 foram mortas, segundo a Statista, 108.924 pessoas em atos terroristas, e apenas 420 na Europa ocidental. Como diz Adrian Gallagher, especialista em segurança internacional e professor na Universidade de Leeds, ao site Huffington Post UK: «Na realidade, a Europa ocidental está muito mais segura que há décadas e sobretudo muito mais segura que o resto do mundo». E acrescenta: «Podemos mesmo dizer que estamos a viver o período mais pacífico da história da humanidade». Então porquê este sentimento de insegurança crescente? Ele explica-se pela espetacularidade dos atentados de Paris e Bruxelas, dando a ideia de que qualquer um de nós pode ser vítima, mas sobretudo, diz Raffaelo Pantucci, diretor internacional de Estudos de Segurança no Royal United Services Institute, porque as pessoas estavam habituadas a terroristas «que matavam e explodiam coisas, mas não queriam morrer. Hoje lidamos com gente que se mata para prosseguir os seus objetivos, o que torna muito mais difícil evitar os atentados».