Pretendia-se, dizia o então governante, “lançar orientações” para discutir “com humildade democrática” com todos os agentes sociais e políticos ‘Um Estado melhor’ (título do documento). Falava-se das causas do resgate financeiro, um dos capítulos intitulava-se ‘Reformar é diferente de cortar’ (curioso, a quem é que também já ouvimos isto recentemente?) e noutro propunha-se um Simplex 2 (outro déjà-vu…), para além da utilização repetida de verbos agradáveis ao ouvido de contribuintes e empresários, como flexibilizar, descentralizar, desburocratizar e desagravar.
O guião e a reforma do Estado ficaram algures, em paradeiro desconhecido, mas o cerimonial serviu para apresentar serviço e muitos portugueses terão ficado convencidos de que o país já era outro.
Nesta terça-feira passada, o primeiro-ministro convocou os jornalistas para o Centro de Congressos de Lisboa para assistirem à apresentação do promissor Plano Nacional de Reformas, documento que o país tem de apresentar este mês em Bruxelas. Chegados lá, viram e ouviram António Costa apresentar não um documento já elaborado pelo Governo, mas um power point com aquilo a que chamou de “processo de elaboração” do futuro documento, que pretende discutir com os partidos e com os parceiros sociais. Um “processo” que começa com um “diagnóstico” dos problemas do país e, depois, aponta objetivos a alcançar e algumas “medidas” suficientemente genéricas (não porque o Governo não saiba já o que fazer em concreto, mas porque pretende fomentar primeiro o debate, claro…).
O formato bate o de Paulo Portas: as 53 páginas de power point são muito mais agradáveis à vista do que 112 em letra corpo 16, além de que no fim prometem-se 10.500 milhões de euros para aplicar em cinco anos nas ditas reformas. O conteúdo também não desmerece: ainda mais verbos agradáveis ao ouvido (qualificar, promover, valorizar, modernizar, capitalizar e reforçar), outra vez a promessa de se “retomar o Simplex” (um nome genial, visto que atravessa gerações de políticos) e algumas pérolas como o ‘Programa Semente’ e a ‘Digitalização da Economia’ (para promover a inovação), o ‘Fundo Azul’ (promover a economia do mar) e o ‘Passaporte Qualifica’ (as novas Novas Oportunidades).
O que vai ser isto em concreto? Ora essa, isso vamos agora todos discutir. E pelo meio da propaganda até pode haver gente que já acorde todos os dias a acreditar que o país é outro, reformado.
Deste ponto de vista, foi uma semana brilhante para o primeiro-ministro. Na segunda-feira, dia 28, tinha descerrado uma placa comemorativa da reposição de quatro feriados (tempos prósperos se avizinham para os trabalhadores deste ofício), na terça-feira protagonizou o show das reformas e na quarta realizou uma cerimónia que foi ‘vendida’ como a assinatura do acordo que resolve o problema dos lesados do BES.
Chegados lá, afinal o que foi assinado foi um “memorando” para “o procedimento de diálogo” que “até ao início de maio” há-de chegar a “soluções consensuais”! Na cerimónia, com Mário Centeno e António Costa sorridentes, o presidente da associação dos lesados agradeceu muito ao senhor primeiro-ministro e ali só destoava o ar carrancudo do presidente da CMVM e do governador do Banco de Portugal (porque seria?).
Foi de tal forma um sucesso que até a repórter da TVI relatou assim, à noite, a cerimónia: “Será pouco provável que estas imagens se repitam (e mostrava os protestos de rua dos lesados). Os tempos são outros, o Governo mudou e as atitudes também”. A sério!?