Contratações ilegais para a Medicina legal

      

Nos últimos dois anos, foram chegando ao Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciência Forense (INMLCF) profissionais contratados para diferentes áreas e funções, mas com um traço em comum entre si: de uma forma ou outra, as contratações levantam suspeitas de irregularidades e, nalguns casos, até mesmo de ilegalidades nesses processos. O instituto nega, porém, qualquer deslize no respeito pela legislação em vigor.

O primeiro caso do conjunto de informações a que o SOL teve acesso diz respeito à contratação de um funcionário para a gestão de stocks na sede do instituto, em Coimbra. O contrato foi celebrado em regime de prestação de serviços (os chamados recibos verdes) pelo período de 20 dias, foi assinado em janeiro de 2015, mas o serviço acabou por prolongar-se por cerca de três meses. Nada de irregular nesta situação – a não ser o facto de esse primeiro contrato não constar do Portal Base, onde deveriam ser colocadas todas as adjudicações feitas por organismos públicos.

Responsáveis obrigados a repor valores em falta

Até que, em setembro do ano passado, o instituto voltou a contratar exatamente a mesma pessoa, dessa vez por três meses e novamente por um total de 3.000 mil euros líquidos. Mas, nessa segunda contratação, esperava-se que a profissional “especializada” fizesse uma “inventariação do imobilizado” do instituto – foram pagos 1.000 euros por mês para fazer a contabilização das cadeiras, mesas e outro tipo de equipamentos.

No final dos três meses, esse contrato foi ‘prolongado’ por mais um, recebendo a pessoa mais 1.200 euros pela extensão do prazo inicial. Uma informação que também não foi disponibilizada pelo instituto para consulta pública. Na prática, houve um fracionamento da contratação – com que objetivo, o INMLCF não explica, mas a verdade é que essa opção permitiu celebrar vários contratos com a mesma pessoa escapando ao radar das Finanças.

Porque a lei – através da portaria 20/2015, de 4 de fevereiro – estipula que, quando num ano sejam celebrados ou renovados contratos superiores a cinco mil euros, essa decisão requer um “parecer provisório vinculativo” das Finanças, através da Direção-geral da Administração e do Emprego Público.

Isso não aconteceu neste processo. Isoladamente, nenhum dos contratos ultrapassa esse valor, mesmo contanto com o valor ‘extra’ acrescentado ao segundo contrato. Mas, em conjunto, a mesma pessoa recebeu sete mil euros do Instituto Nacional de Medicina Legal.

E, no limite, esse facto poderá levar a uma declaração de nulidade do contrato e a que os responsáveis pela contratação sejam obrigados a devolver os valores pagos à funcionária. Uma situação que não passará despercebida aos técnicos do Tribunal de Contas que estão a conduzir uma auditoria às contas do instituto.

A contratação do atual chefe de divisão administrativa e financeira do INMLCF também levanta dúvidas.

Em dezembro de 2014, o instituto deu os primeiros passos para a abertura de um concurso para a escolha do futuro candidato mais bem preparado para ocupar o lugar. Nesse dia, o júri do concurso reuniu pela primeira vez e Isabel Santos, Ana Santos e Patrícia Neves prepararam o procedimento para esse concurso – um documento que, em regra, deve apresentar, entre outras informações, o critério de ponderação.

Mas não apresenta. Da mesma forma que das quatro páginas desse concurso não constam as assinaturas das três responsáveis presentes na reunião, mas apenas de duas – arriscando-se a que o documento fundador do concurso seja considerado inválido.

3.000 mil euros por mês ‘para gerir o Facebook’

Os concursos e contratações realizados pela atual direção do Instituto de Medicina Legal têm suscitado dúvidas e incómodo, dentro e fora do organismo,

Noutras situações, está em causa a disparidade de condições salariais que se verificam entre os funcionários do instituto. O caso da assessoria de comunicação é paradigmático. O contrato do atual assessor foi adjudicado por ajuste direto e celebrado a 13 de abril do ano passado. E entre as funções a desempenhar, o documento prevê a “assessoria de comunicação para gestão do sítio institucional e gestão da página no Facebook”, a “produção de conteúdos para o sítio e para a página” na internet a “coordenação de respostas a solicitações externas”, entre outras.

Responsabilidades que se aplicam a centenas de casos na administração pública. Com uma diferença: o contrato do assessor tem uma duração de 12 meses, renovável até ao máximo de 24. Valor anual: 33 mil euros (a que se soma o IVA).

Por norma, estes contratos são assinados a três anos. Mas não foi o caso e o instituto não explica as razões. A solução encontrada evitou, pelo menos, que se abrisse um concurso público para preencher o lugar.

Mas no Ministério das Finanças o ‘ok’ não passou sem uma nota de rodapé. Segundo o SOL apurou, um alto responsável da DGAEP que analisou o processo salientou o “aparentemente elevado valor” do contrato de prestação de serviços, sobretudo “atendendo a que se destina, simplesmente, à ‘…gestão do seu sítio institucional’”.

No instituto, os valores são considerados “imorais” pelas fontes contactadas pelo SOL. É que, comparativamente, um técnico superior da Função Pública a exercer as mesmas funções não recebe mais de 1.290 euros brutos e um especialista superior de medicina legal 1.600 euros.

Instituto ‘respeitou escrupulosamente a lei’

O SOL interpelou o Instituto sobre cada uma destas três situações, para saber o que fundamentou cada uma das contratações e para perceber se considera que todos os passos legais foram cumpridos. A resposta foi sintética: “O INMLCF informa que todas as contratações respeitam escrupulosamente a legislação em vigor e estão sujeitas ao escrutínio dos organismos competentes”.

pedro.rainho@sol.pt