Vergonha não é roubar, é ser apanhado

As revelações dos nomes de personalidades que usaram offshores no Panamá para ocultar ou potenciar património geraram reações inflamadas e indignadas por todo o mundo e juras oficiais de reforço do combate à evasão fiscal, inclusive em Portugal. Como já antes acontecera, aliás, com o Swiss Leaks, o Lux Leaks e outros leaks.

Não há memória de reações tão inflamadas em Portugal quando vieram a público os casos Furacão ou Monte Branco, bem como os nomes de personalidades portuguesas que fugiram ao Fisco. Ou quando foram aprovadas três amnistias fiscais (2005, 2009 e 2012) para permitir que contribuintes que fugiram ao Fisco e tinham o dinheiro no estrangeiro o trouxessem para Portugal, beneficiando de taxas de 5% e 7% e de garantias de que os seus nomes nunca seriam revelados. Como se costuma dizer popularmente, parece que vergonha não é roubar, mas sim ser apanhado e isso saber-se…

Juras de amor eterno ao combate à evasão fiscal foi o que tivemos também no Parlamento, na quarta-feira. Depois de prometer que o Governo e o Fisco tudo farão para obter os dados dos Papéis do Panamá com interesse para o nosso país, Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, garantiu que irão ser usados “todos os mecanismos legais para serem tributados aqueles rendimentos e patrimónios que devem imposto em Portugal e cuja ocultação agora se detete”. E terminou assegurando que “a Administração Fiscal tem meios suficientes para agir nessa matéria”.

Se tem esses meios, não se percebe por que Portugal anda há 12 anos a investigar a fuga ao Fisco e o branqueamento de capitais em larga escala detetados na Operação Furacão e baseados precisamente em centenas de offshores em vários pontos do mundo. Começou em 2004, divide-se em 150 inquéritos, com 750 arguidos (entre empresas e contribuintes individuais). O Ministério Público e a Inspeção Tributária conseguiram recuperar 140 milhões de euros, mas ainda há inquéritos para terminar.

Sabe-se que a investigação ao Furacão – um esquema promovido desde meados dos anos 90 por alguns bancos – começou com dois ou três inspetores tributários, mas só em 2007 é que, arrancada a ferros, houve a magna decisão das Finanças de aumentar a equipa para cerca de 20 elementos. Estes, entretanto, foram-se subdividindo por outras investigações (BPN, Monte Branco, BES, Operação Marquês, etc.), fazendo com que o Furacão fosse feito quase nas horas livres. O julgamento de 14 arguidos do primeiro processo, acusados há mais de três anos, só começou agora, em janeiro. E ainda na semana passada os arguidos de um outro processo, na fase de instrução, aceitaram pagar o que devem ao Fisco, que ascende a 1,4 milhões de euros.

Foram já feitas muitas notícias, divulgando os nomes dos arguidos, alguns bem sonantes, do mundo empresarial, artístico e desportivo, que rapidamente foram esquecidos. Consultei algumas dezenas desses processos: fica-se com a certeza de que meio país anda a fugir ao Fisco.

O esquema do Furacão acabou, porque foi apanhado pela Justiça, mas entretanto veio o do Monte Branco (também baseado em offshores) e, depois deste, podemos ter a certeza de que outro ou outros já foram postos em prática, debaixo do nariz do Fisco. É preciso investir em meios para os investigar e ressarcir o Estado – ou seja, os contribuintes que pagam os seus impostos – do dinheiro que por aí foge. Não chegam boas intenções e proclamações, como as do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Submerso por investigações como as do BES e Sócrates, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal tem, por exemplo, deixado arrastar o caso Monte Branco, que começou em 2011 e ainda não tem sequer uma acusação. Dizia o deputado socialista João Galamba, também no Parlamento, que este caso dos Documentos do Panamá “não pode servir apenas para tiradas indignadas e pedidos inexequíveis”. Vai uma aposta?

paula.azevedo@sol.pt